sábado, 30 de outubro de 2010

O sol nasce poente
na ponte do pensamento

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Poética

- cadê o barulho da máquina de escrever? cadê o pó de grafite que mancha o canto da folha? -

Tentei viver, mas naquele mesmo segundo estava preso no trânsito e, como desespero,  fico nessa afasia que é insanidade. Até que uma borboleta amarelopoente pousou no para-brisas. A gente se lembra tão fácil...

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Vê-se como a vida sublima a poesia - não seria o inverso? -. As épocas de florescimento não ocorrem senão fora do tempo... Nos interlúdios, algo de quê as transformam em cotidiano.
As tonalidades do tempo são palavras disfarçadas - E me torno metafísico, sem perceber - máscaras de memória.
condição de música
cadência alienada de um sufoco

o cheiro do lótus me invade com sua cor de dimensão outra
como uma vela acesa guardada por outras camadas de vela
e do fogo só transcende a memória, já fantasia.

- a primavera trouxe a lua
ou a lua trouxe a primavera ? -

a chuva invade o quarto com tonalidades de umidade
como é bom respirar !

quarta-feira, 26 de maio de 2010

O começo é sempre o difícil. Pensar sobre o quê e o como, talvez criar algumas passagens interessantes, outras insignificantes, limpar tudo que é excesso - a mente fala demais. Criar um poema ou uma tese e antítese de elocubrações sobre a beleza desabrochada da primavera ou sobre o por quê da arte na vida do ser humano. Fascinante como o descontraído e imperceptivelmente trabalhoso bater de asas de um inseto de luz, e especificamente aquele inseto de luz, que é uma espécie da companhia necessária nos momentos de solidão. « He is even teaching me spanish, o tal vez el francés ». Aquele inseto de luz sou eu, rondando os feixes como um peixe nada num oceano, rondando a luz como que invejando um xamã que atravessa a imensidão das coisas. Num suave bater de asas poliglótico, infinitamente asas e só, num todo muito complexo que é mar, ar, luz, infinito, absoluto. E eu apenas asas e só.
Até que um sino me desperta. Vibrando todas as células das minhas emoções, porque eu só posso falar de mim. E não sei de mais ninguém. Eu sou um personagem amarrado no voar dos insetos de luz. Com a boca amarrada no desvelamento da vida, além dos barulhos desse mundo, além do que me rodeia. Com ossos de uma solidão incrível. Posso até alcançar o teto, mas cessa.
Fui sentindo quantos músculos funcionam para manter a minha cabeça ereta. E deixei-a cair.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

mar e sonhos

ainda que mal
poetar a dor da madrugada
em versos tênues e sombreados
pelas palavras da minha própria dor

sinto que choro que sonho
que sonho que choro que
a lágrima do rosto que desce que
rola que sonha que rola
tanto rola que tá-que-não-tá
nas árvores e andorinhas da praia sem fim

antiga floresta de espaços vazios
hoje lenha, ainda fogueira, sendo cinzas
e cinzas só, que não são tão cinzas porque
ainda há de ser cor outra que não tão na
memória alarde, arde em brisa morna
do sol gelado sobre as marolas do mar
inusitado, visito suas sombras mais densas mais
fundas como um espírito único, dos quatro ventos
que te afagam as cristas como cabelos profundos
cabelos que envolvem toda a terra fora cinza
fora cores que tão vida como a vida
vivida e desvivida eternamente na imensidão
das infinitudes paralelas renascenças e retornos
repletos de outros dos outros que se perdem
nos buracos negros antigos do mar

o mar perde-se em sonhos que sonham
lágrimas e só

domingo, 25 de abril de 2010

Guardarei a vontade para depois.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Poema-minuto
uma pírula de sorriso
na inércia do dia-a-dia.

Morelli disse, como um mote, no jogar da Rayuela, que não existe causa plausível ou mesmo aceitável para o não fazer estático da madrugada na cidade, na inércia das marolas no mar vazio e na concepção astronômica de zoroastros e zodíacos e zaratustras inventados sempre-sempre novamente. - Quem é Morelli afinal? - inventor da interrogação de Cortázar e do estupendo diálogo entre o asfalto e as solas descalças dos pés no pular da amarelinha. Seria como refazer-me uma vez após outras na dança despretenciosa das luas a cada semana, nas noites frias em pleno verão e nas cachoeiras incoerentes da sansibilidade.

O processo não é nada
                                   O estímulo é tudo.
Birra modernista
                                   Resignificação do momento
Desconstrução
                                   Ordenada.


- Quando seguro sua cabeça assim entre o berço das minhas mãos...
Ato e significado.

fome.

sábado, 3 de abril de 2010

Meu ser e o seu

Queria estar por dentro do riso que a faz riscar as paredes e acender fogueiras com pedras ancestrais, dentro do sorriso macio que me desce a garganta como lubrifico, que massageia o resto todo do meu corpo ancestral, da idade da pedra, do fogo, do ar... Queria ser muitas personalidades em uma pra fazê-la sentir todos os sentidos de uma vez e rolar sobre o pavio de pólvora do cotidiano para senti-la esquecer que o mundo gira a mais de mil quilômetros por hora e que dependemos de poucos graus de inclinação no eixo da terra para existirmos, que além do nosso biológico existe um corpo que cicatriza feridas invisíveis e uma cultura de faca cega e fé amolada. Somos nós e a nossa conjuntura. O humano além mito. Queria ser a animização do seu dia a dia, como um totem politeísta da sua consagrada consciência coletiva, concreta e existencial, tanto sartre pra sua rotina, na fenomenologia da sua retina, um quadro feito de pincel e sopro. Ser os filmes argentinos que a fazem chorar. Quero arrancar todos as tomadas da minha casa e fazê-las de cartão de visitas coloridos e inesquecíveis, de experiência sublime. Quero balançar com você nos ônibus como neruda no seu mar de cimento e gesso. Quero aumentar a quantidade dos cílios para jogarmos absolutamente e pedir sempre que me ame te sacie me mergulhe te acalme me deseje te rebele. Quero a contestação em pessoa para criar sempre as realidades que preciso para fugir de mim de nós e de todos.

sobre o erro da história

Começa a noite como um degelo nu e lúdico, quase impuro como a lua cheia coberta de nuvens que se arrastam sutis, como a silhueta de uma sombra do fim de março, confuso outono brasileiro, confusos dias brasileiros, confuso povo brasileiro.
- que sea otro, otro sexo, otra vida, otras personas, que no seas nadie o una minuscula fagulha de todas las cosas que volvense polvo durante esa y otras existencias. Os astros e os signos assinalam a voz de um imperador passado ou de um motociclista que foi atropelado hoje na minha frente e eu segui como se nada tivesse acontecido enquanto mexiam nele e no pescoço dele, como duas identidades que se cruzam inevitavelmente no espaço-tempo da cultura onde o progresso é mera idealização da mente moderna. Enquanto eu mijava no mar e andava de ônibus e falava palavrões por ter topado com o pé no chão e as pessoas faziam coisas inesperadas e eu conheci uma bailarina de um programa de tv antigo e mijava no ônibus e caia no mar e namorava e amava e aguardava o mundo se tornar a merda que se aproxima nós ríamos da dança contemporânea e ríamos do nosso tempo até sermos quase expulsos do teatro, como foi bom, ríamos do constrangimento e do riso e do balé e da falta de música e rítmo e circunstância daquilo, ríamos por sermos felizes e por poder rir de tudo que é realidade de certa forma na insignificância da cidade. < Il a fait des rondes avec de cigarette et il a alumée tout la poèsie que ronde la vie et les mots de une phrase sans sens. Sans sens il a fait de rondes avec de fumée >
Uma nuvem bêbada - boracha - que passa sutil pela noite, distante e analítica, como terapêutica, longe de harmoniosa, distante, bêbada, reprimindo o desenvolver sensual das conversas de roda no fim da madrugada. Seria uma fogueira cintilante como uma prenda dos quatro elementos reunidos num só que sobrevive lento, como uma dança anarquista pairando sobre os cabelos das mulheres incendeia toda lua toda terra toda filosofia conceitual do corpo e dos quatro espíritos, toda fumaça que espairece, toda comida que sobra e tanto falta. Sou um homem que vende água do rio mais perto no trânsito para sustentar minha família, não tenho tempo de sentir culpa. A culpa selvagem de uma coletividade anônima, não indentitária, não hereditária que morreu na história.
O ser-humano poderia ter dado certo, algum dia, mas o seu e o meu caminho se perderam na imensa solidão do infinito.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Comemoração

Eu e um inseto de luz, o mesmo de todas as noites, único disposto a enfrentar o calor insone da lamparina da minha rua, sobre a cidade do silêncio, possui e desperdiça os Kandinskys, Monets e Van Goghs da madrugada, a lua minguando seus mistérios como enigmas, esfinge no deserto da noite, clareando os olhos da minha vontade e do meu corpo, do meu nome e da minha carne, porque a lua minguante tem como beleza a misteriosidade dos seus segredos. Dessa vez quase me decido por falar com o vôo da luz, que talvez tenha coisas interessantes para contar sobre o seu dia, ele que me acompanha invariável nas noites em que olho a cidade do telhado. Hoje vim preparado, como num acampamento, muni-me de toda a técnica, hoje sou o telhado. A cidade iluminada paradoxalmente dorme espessa sobre os desejos leves da rua. E as estrelas brilham numa imobilidade débil, piscando solúveis no lençol escuro que cobre as revoluções dos homens, a música desenhada em todo o século XIX, a inquietação da juventude e as próprias estrelas. Todas as conquistas são válidas com mãos para tremer com a dela, a minha treme até agora. A nuvem devorava a lua antes de desfazer-se. A lua sobrepõe-se agora nua e semioculta, em sua semiótica inabalável. Isso me parece como uma comemoração. O inseto de luz entrecortando seus feixes, nadando o ar, refletindo a luz nos viéses dos olhares de tempo em tempo num padrão incompreensível de farol. O inseto permeando o mundo, existindo insignificantemente ao meu lado e alheio à tudo que o cerca, alheio ao tempo e ao sub-tempo e ao sub-sub-tempo, desnudando o momento, separando a cidade numa sobreposição de imagens e sentidos e significados, como se cada prédio e cada luz fossem desenhadas em planos separados que se sobrepusessem dando-nos a idéia de realidade. Como se eu pudesse parar agora e nesse momento se resumiria diante de mim alguma parte inconcebível da natureza do gênero humano ou da inocência infantil. É melhor salvar o pensamento materializado antes que ele se perca na efemeridade do tempo como demonstra inútil o breve bater de asas do inseto de luz emergido na fumaça da criação e perfurando indefinidamente os horizontes planos do seu entorno, transformando as estrelas a noite os mistérios a pobreza a miséria em insignificantes molduras para o seu existir. O plano silencia profundamente num ante-despertar, do não que é o dormir. Mesmo o vento se cala obscuramente para ser somente o soprar e o soprar que são asas e no comemorar e o comemorar que é a luz da lua. Seria tão mais nítido o não ver do que ver as pequenas partes do nada que nunca se veria e que são as minúsculas fontes para embalar os poucos do tudo numa inesquecível textura de duna ou gosto de beijo ou som do cello na op. 89 de Fauré.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

En el princípio fue tomando actitudes drásticas como no atender a lo teléfono y dejar crecer el pelo para tornarse otro que no él mismo, baseado nas crenças e nos costumbres sociales de que é possível ser quem se queira ou alguém que não exista para preencher as vazias lacunas de pessoas idealizadas nas mentes alheias mas nunca de fato desarolladas num âmbito que quiçá possa ser chamado de concreto.
« as marteladas, sempre martelando esse maldito vizinho! » As marteladas atravessavam a sua parede a sua cabeça as suas idéias. A ansiedade insomne dava voltas-e-voltas-e a noite fazia um calor largo que aumentava a demora do tempo passar.
Já estamos num tempo tão novo, tão inacessível, quase distante do próprio tempo, que se devora vorazmente, invariavelmente...
Os minutos blues « Meet me in the botton when we both are there » desvairados, a angústia da espera, sempre espera, esperando-esperando, enquanto o tempo se devora sem chegar a tocar-nos. E a vida se desenha como um Pollock. E a vida se concretiza aleatória, as idas, os amigos, a arte, o sexo, o álcool todo o álcool que não bebemos, toda a música que nunca escutaremos.
« o bandido que sabia latim, escondemo-nos em baixo de seu bigode em busca da sua poesia... »
Escrever sem nunca ser lido, a opinião indestrutível do caos, a irrucusável maneira de se expressar ante a matéria ontológica da poesia e dos romances. Quem diria que me tornaria metafísico antes dos 40 anos...
E me é possível escrever sem o uso do papel e da caneta, sem o barulho insône das máquinas de escrever, sem que o próprio escrever exista. O café foi, negro e quente,  nada além e sem intenção nenhuma foi o buraco-negro do dia, mergulhado numa xícara branca que já não há, com pequenas rachaduras que desfazem a integridade do seu corpo e se transformam ásperas num esconderijo do tempo, flutua mas pesa cada vez mais conforme se esvazia, e faz-nos meditar sobre todo o significado da arte e do ato, sobrepondo-se à sua efemeridade uma existência ainda mais distante, se refaz em receita básica para o cotidiano insignificante de um inseto ou de um simples ramo de grama. O sujo café brasileiro, detenho-me pensando se não deveríamos criar  movimentos sociais só para melhorar a qualidade do nosso café « oro negro, estraño burgués » But the English will build you bridges and trains and happiness.
Qual o sentido de páginas e páginas paridas sem finalidade? A que devem os homens para suportarem um café tão ruim vivendo no país que o produz? A que vale a arte pendurada sobre minha cabeça forrando o teto as paredes o chão se ninguém é transformado sequer sentem-na sequer olham-na? Como seriam meus personagens se o acaso viesse a dá-los vida?

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

(Toulousse-Lautrec Loïe Fuller in "Dance of the Veils" at the Folies-Bergère)

Sua distância, sua tara, sua casa é a rua ou um cabaré, pincelado fino ou de escuros traços sensuais, a descoberta do tato foi seu maior conforto, sem a máscara do tempo, como um romântico carnavalesco, olhar o mundo através de um binóculo de ópera. O ballet dançante que é Paris, das janelas arredondadas pelos sonhos e pelo suor quente dos quartos, tudo coberto pelo seu antigo casaco de feltro... Qualquer movimento é a sua fonte, desde que para amarrar espartilhos, etc.

Do telhado

o tempo passa tão rápido
que nem parece que entrei
e o tempo não passou que passou que passou...

o meu telhado tem forma de mão
pra quem está vendo as nuvens
ela fecha e acolhe abrigo pro passar do tempo

que a noite é outro dia
pr'um inseto de luz
e eu que estamos acordados
na penumbra chamada fumaça da cidade

as nuvens andam lá em cima
narram histórias d'outra terra
e se disfarçam em cor

a cidade quieta
que fazem dela
um imenso colchão

converso
com o verso
com verso

O que sobra

o que sobra

des
cons
t

i

o verbo

poesia
verso caro
a preço de lágrimas
de tinta
vermelha
como o do quadro
do sorriso triste

não conheço a culpa
que sinto
culpa
que choro
uma tinta entalada
na dor da garganta
como um soluço
seco
de culpa
seca

desculpa-me se a prosa
não me cai bem
mas o verso
me escolhe
como seu amante
sou seu meio de vida
poeta triste poeta
como é necessário
às vezes todas
as vezes é necessário
que seja

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Pero eso es el insomnio Klee « a rubbish bin full of bloody paper » translados de poesia numa língua inteira de vogais a e u, somente. Na totalidade breve de um inseto pleno de vôo ou na consumação totalitária de um terremoto. Ua uanga au uaud du cacaua aungu kubu seria uma possível transcrição fonética... Pero eso es el insomnio insecto o vuelo o el terremoto pleno. Salvo algumas ocasiões se sentia condenado à fatal parcialidade dos fatos, na liberdade da passividade, indo ao encontro cego dos prédios cinzas ou de cores ralas e foscas do centros de todas as cidades, por hotéis que sustentam vagos e quase que escapando-los o luxo de outrora, e habitações precárias para proteger minimamente o que sobrou dos poemas e dos papéis rasgados « like a moonlight chest like a moonlight » Sorvia lentamente a madrugada em busca da unidade de sua vida, em busca de vodca, em busca da unidade entre a sua vida e a vodca, em busca de algo que nem sabia bem o que era. Sorvia a madrugada em busca de sua vida. ¡Pero eso es el insomnio de el vodca, es el insomnio de su vida!

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Três prosas para a insônia.

Suspendo o fôlego para adentrar a eternidade de um instante. Beijo-te. E é como amar-te, porque amo-te e o beijo é como a semântica que dá sentido a tudo que não é amor. E é como desenhar infindos pontilhados rabiscos tintas ao ar ao chão ao teto, paredes de Kandinsky nos rodeiam ou tendem ao infinito, a matéria perde seu significante para se tornar significado autoexplicativo com tons de absoluto.

Lá fora venta e chove e faz frio, comparado ao calor das cobertas, mas é verão. O mundo está realmente mudado, e nem ainda temos idade o suficiente para relembrar com propriedade, ou ao menos estilo, dos "velhos tempos". Apenas precariamente nos afirmamos na história, nem temos pegadas sobre o mundo, estamos em uma ou duas fotografias digitalizadas integradas comercializadas, e já nos enganamos e perdemos sentidos que quiçá um dia tivemos. As cobertas dão sensação de útero, sua língua cordão-umbilical salva-me resolve-me abraça-me, num beijo de raiz das terras, que volve-me ao antes, acalma o necessário nervoso dos amanheceres e dos jornais, cala a lágrima vermelha do pôr-do-sol. E pensar que já me esqueci do antes e não vou me lembrar do depois, caso o depois tenha o porque de ser, ou desista de tudo como a melodia de Schoemberg.
« O mundo está realmente mudado, o mundo está mudo »

O que me assusta é a reação das pessoas, nem de compaixão nem de medo, uma reação reação, somente isto, como isto sem aquilo isto isto mesmo como é e tem de ser porque é assim e será. Acho perigoso pensar sobre isso às vezes e me censuro, calado e escondido na trincheira de uma minúscula xícara de café, bem forte e escuro, como as manhãs e os jornais, e também as pessoas. Outras vezes decido gritar, pulo a xícara, o café, as manhãs e os jornais, mas, às vezes não alcanço as pessoas, que não pulam não ficam nem sequer deitam para dormir um sono tão profundo.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Mãos e vozes

denuncio radical o profundo das coisas
denuncio lírico, o real valor das coisas
denuncio superficialmente a moral das coisas

a volta dolorosa como parto
ou pranto, o que é que somos
quando animais, quando homens
quando temos o poder nas mãos
que pena, que pena

dar algo tão poderoso assim
e enfiar, num gesto impositivo, senão,
na cabeça humana, a inteligência,
que é como desperdício

« gosto da iluminação amarela do meu quarto
gosto dos tons amarelos que quebram o escuro da noite
como as palavras quebram a matéria do silêncio »

enquanto ia embora vi dois policiais armados
parando e revistando e indagando e enfiando e perguntando e calando, como donos,
um menino negro de bicicleta na chuva, como se fosse,
e choquei-me como se não fosse cena comum

enquanto via jornais vi um trator atropelando
casas de papelão de cem famílias sem-terra
porque estavam em território - inutilizado - de uma grande empresa de latifúndio
dessas qualquer que ganham e se vão
as famílias ficam, os feridos ficam

enquanto andava pelo centro da cidade
vi meninos mais novos que meninos
se drogando roubando sobrevivendo dormindo com cobertores de lama pisoteada
enquanto andava pelo centro da cidade como guerra

vi e me calei
vi e não pude fazer nada
calado e preso por mãos e vozes que não se mostram não se vêem e não se escutam
mas se mostram, se vêem e se escutam

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Todos usamos camisa-de-força. Para uma dança flutuante, sutil como um toque de noite ou um balanço de jangada, de uma inevitável beleza, que é algo de triste, um sorriso em pírulas cor-de-ressaca ou o depois. Cercados de nuvens espessas, indo-nos, suspiros e lágrimas, a caixa de fósforos no bolso como chocalho de despedida, é fácil perceber a morte dos ritos, que pesam ancestralmente sob o sapato que abandona como lágrimas as pegadas pelo caminho. Despedimo-nos dos seres humanos e do título sapiens na busca pelo outro lado da lua ou o começo do arco-íris, urgente como o princípio e necessário como a loucura, na escolha de qual chegar primeiro, numa igualdade de preferência, num gosto de febre, ardente como um sol do futuro. ¡La vida es una explosión! La vida es una melodía de Schoenberg, perdida en la calle, acostada con un cualquier hombre en el lío de Miró. Lo seinto revoltada y acomodada con el movimiento de rotación y translación del mundo o sobre la metáfora sobre el condición indispensable del acto. Como se fosse uma idéia de suficiente. Mas cava cava cava o ser humano ainda está. Pobre, podre, pobre, pored, prebo, pedro. Até que impensável surge ali uma flor, e rompe o vínculo com o concreto, como poesia pichada, inchada, mas flor é uma flor, uma flor. C'est toujours quelque chose, mais, minable: c'est mon affaire. No movimento de um êxodo, um fluxo espumoso e corcunda e, ademais resignado ou até adestrado para as todas facilitações e aptidões e papéis e ... da alcatéia humana. Reíamos, como rí el cello. Como lloro.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

A última imagem da noite chuvosa, uma xícara de chá ou um patuá abandonado onde guardo todos os meus segredos, esquecidos, desvividos, um acrílico colorido ou um jade neozelandês. O mundo desacontece num quadro de Kandinsky, como um universo de tons e sobretons de rosa e rosa cor-nenhuma, algo de azul sobre a mesa do jantar e um amarelo velho que chama para a porta um novo cômodo, igual a este e outro igual àquele, e um novo e ainda outro. Sinto-me às vezes cativo para o fato que nos acordam os livros fantásticos, do quão fantástico para eles deve ser a realidade... É engraçado que não escrevo nunca exatamente o que penso, mas sempre algo que desperta com o que tinha pensado em escrever, que é uma recusa de mim mesmo, e por tanto nunca tenho propriedade exata do que penso ou escrevo ou ambos. Tenho medo (e ao mesmo tempo vontade) de jamais pertencer ao que foi escrito. Deixar que a vida própria do texto aconteça por si só, e vamos.

Mirando-nos.

Em quantas línguas ler-te, em quantas línguas falar-te, ou em quantas línguas beijar-te. Em todo o seu absurdo de um momento, sua guirlanda de todo o tempo, olhar de ciranda, todo esse seu absurdo olhar, que é em si um espaço ou um molde para uma estatueta de Rodin. Todo o seu rosto é o além da máscara e o além do sorriso. Olho-te e moldo-te minha estatueta, minha peça perfeita para explicar o tempo, para explicar os sonhos. Para explicar-te em quantas línguas forem, para além das minhas figuras de linguagem e minha semântica que toca-te apenas os calcanhares de bailarina. Os calcanhares feitos de madeira forte trabalhada infinitamente pelo suor da existência. E olhamo-nos em todas as línguas ou em outra língua, mais sonora, mais poética, mais sentido e menos arte, mais corpo e língua de retalhos coloridos, beijo-te, olho-te, confundo-me. Confuso olho-te apenas numa metade da face e desdobro seu rosto em cubismo, recrio máscaras do seu rosto, de todos os mínimos ângulos do seu rosto, recrio-te poliglota e mágica, recebo-te mágica no molde dos meus rostos todos, intensos, mirando-te de poucos centímetros de distância, apenas vislumbrando uma possível forma de existência ao seu lado, em poucos instantes de uma existência maior, poucos milésimos dessa existência maior, miro-te a textura da pele, as cores que absorve e devolve, os milhares de tons que compõem suas bochechas, contorno a linha da sua boca como um desenho, e devolve-me um estático momento de si mesma, na sua boca, o amor que ama o amor, toda ela, toda essa metade da sua boca é um desenfreado rastro ou mesmo um erro da matéria que coincidiu em ser secretamente a perfeição do traço, não por estética, mas por ser o acaso de ter sido desenhada essa mesma linha que forma a sua boca. Linda por guardar tão ínfimo segredo da natureza em um traço de sua boca. Detenho-me o tempo de uma eternidade olhando teu segredo e meu olhar é tragado como água para um rodamoinho estratégico de seu rosto, que arrasta todo para seu olhar e torna insignificante lá fora um homem que saindo do trabalho, corre pela chuva para chegar mais rápido em casa ou as marchas mudas por uma juventude comprometida ou ainda todas as empresas que se ocupam na criação dos desejos humanos. Somos atravessados por fios do seu cabelo que não se contentam com a imobilidade do todo e tornam-se cachos rebeldes e carentes, solitários em confronto com a matéria do seu rosto, resistindo aos inúmeros atentados de prendê-los por trás das orelhas. Não, o desejo do seu cabelo é de vento, o desejo do seu cabelo é levá-la pela vida, solta como um mundo, feita de entrelinhas, sua verdade e sua objeção, sua liberdade e sua dependência, sua metade mulher e outra minha.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Tiros de tatos cegos

dois tiros na noite uma metralhadora de escuro dois tiros cegos varam a noite tateando por um abrigo e mais um mirando às estrelas transeuntes

tato cego sobre um desejo em braile indecifrável
o fim do sempre atingido por um pouco do nada
como carinho de escultor ao parir seu filho
música de papel sobre as mãos grossas da chuva

estrelas cegas tateando abrigo de uma mira cega no escuro transeunte varando tiros de uma metralhadora de noites

tato indecifrável de um desejo cego em braile
o nada do sempre atingido pelo fim do pouco
como o filho do escultor ao parir carinho
mãos de música sobre a chuva grossa de papel

tiro de estrelas tateando cegos com metralhadoras no escuro varando a noite na mira de um abrigo de dois tiros transeuntes

braile sobre um tato de indecifrável desejo
o pouco do sempre atingido pelo nada do fim
como filho do carinho ao parir o escultor
chuva de grossos sobre papel de música

dois tiros matam o tato com metralhadoras cegas que miram ao abrigo da noite transeunte as estrelas do escuro

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

revolução

A revolução não deu certo
devemos ser o revolutivo das coisas

Entra pela janela

o mundo é tão grande
e eu tão pequeno
e eu tão fraco
e eu

quase como indefeso
defendendo o que não conheço
defendendo o que não me pertence
sou o invasor alheio
sou o escuro do mundo que entra pela janela sem me tocar
por mais que eu queira

Eu quero eu quero!
toca-me leva-me
delicado
não! não sejas tão escuro e noturno e cinza
por que não pode ser somente belo?
quando eu finalmente te acho belo...

Livro da terra II

a tristeza da terra é uma lágrima de chuva
que lava irriga molha salva cresce germina

a dor da terra é de parto
que são os furos que fazem a plantas quando nascem
a dor da terra é de pranto
de sangue de ferro
que oxida o leite do seio da mulher indígena

vem do barulho do metal engajado
soando agudo e áspero como um grito
na enxada que não mais lavra
que ataca o cru da terra
onde canta o galo
anunciando a briga dos homens
na terra que não mais
a terra que foi

o sofrimento da terra é o homem
que a obriga chamar-se terra
de ser palco e apenas
florescer em guerra
tiro e dor
do que não é da terra

porque a terra não é mais terra
a briga não é mais briga
e o homem não é mais homem

foi talvez
esperança
abrigo refúgio
para quem cria na terra
o seio da mulher indígena

domingo, 10 de janeiro de 2010

Livro da terra I

de onde vem a tristeza
é difícil saber

da consciência
de ser
ou de ter
de não poder
talvez
apenas acontecer
de ser assim
as coisas
no país
e no mundo

cava
cava
cava
homem-máquina
que só come pão:
a vida não é pra ter razão

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

O ano começou sendo lavado

Naquele ano o ano começou sendo lavado
A terra decidiu que não precisaria mais do mundo
E o mundo percebeu que o ser humano não deu certo.

Neste enorme latifúndio
onde bem ou mal acorda-se e vive-se
o futuro chega cinza
como um trovão.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Poder de mim

Essa noite nem fria nem quente
me invade com um sono que não dorme
que é talvez a poesia insone
de coisa que não se fala.
- Você está dentro de mim como uma fome
que chegou com pouco interesse e muito encantamento.
E tem o poder de ser tudo aquilo que eu não conheço em mim.
- Tem o poder devastador e quieto de ir além de mim.

Momento seu.

Deixou marítimo, deixou
a roda tão doce, numa seresta
a flor cirandou
com euforia do desconhecido
sobre o silêncio do tempo

Deixou tudo assim tão suave
leve, pluma,
cortando a água do mar, martírio
é o delírio imaginário
de existir sem pensar
de ser o tempo
dentro do próprio tempo.

Mulher

É fácil deixar a vida que corre louca e breve lá fora para pensar em você. Mais fácil do que eu queria, talvez. Porque eu descobri com você que a vida pode ser muito mais louca e infinitamente imensa, adorada de noite como o prazer e enfim a vida, uma vida que é um elogio. Aprendi que tem muito mais vida em um beijo, e ainda muita vida na espera. Aprendi a admirar a paciência e a calma e a serenidade de um orvalho que cai devagar e belo.

Aprendi muita matiz e cor entre dois pólos, e que entre o riso e a lágrima existe um milhão de sentidos. Como quem tem todo o poder do olfato aprendi que o sabor das rosas se difundem no ar. Navegar neste céu e mar que é você, com um balanço entre inseguro e certo tal me é o horizonte, pode ser. É mais do que eu previa para mim.

E quando à noite você chegar e tomar dela o calor para o seu frio, me balançar nos seus cabelos embaraçados pelo prazer e dormir no seu colo arrepio, muito me arrepio. Como um menino que é em si o mais homem dos homens por ter conhecido você mulher.

A noite chegará então vampira com você sempre nos sonhos.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Antigos sonhos de um antigo caderno VI

A gleba da noite quente

As estrelas derretem neste céu de verão
sondam um comércio de tempo no espaço
mercado negro de primaveras
em pleno calor de veraneio

Chovem janeiros, anos inteiros
no tráfico de tempo dos buracos negros
negociando planetas com versos febris
enganam a gravidade com conversas sutis

Antigos sonhos de um antigo caderno V

A noite está quente
faz toda gente roer os dentes
entre uma virada e outra
na cama que a poeira e poeira e só
navegando pensamentos distintos
de qualquer temperatura.

Antigos sonhos de um antigo caderno IV

Cada espaço canta
seu próprio encanto;
se recanta encostado
recosta e redobra
essa manobra recatada.

Doida-de-ver ao relento
dá-de-ré, relento todo
e põe-se a pôr dia de novo.

Antigos sonhos de um antigo caderno III

À o João.

neste
digo-não-digo
condizente
peço, redigo, digo: tento
arrelento, retento
ao relento desdizente da tarde vazia
em que preenche o sentido
cada vez mais aprofundado
desse teu abismo

beijo de morcego
piada sem tesão
poema reluz
porta de avião, sem brilho
em vão
tente se encontrar
nesse poema elucidário
escrito em binário, relicário
imenso estuário de palavras
de um aquele João

Antigos sonhos de um antigo caderno II

Desvaneio

Tudo se desvanece
e chove
jun
to
co
m a
ch
uv
a

Cada gota, uma a uma
- essas maestras da poesia -
tudo se desvanece

Levam consigo o pranto
deixam seu encanto
que ch
ove
ju
nto
com
a
c
huv
a

Proíbe o proibido
água no umbigo
qu
e
chove
jun
to
co
m a
c
hu
va

A lua da cidade
que se reflete na rua
tudo se desvanece

Os passos escorregadios
chovem também e se
esquecem
jun
to
c
om
a
c
hu
v
a

A janela derrete
e com ela a saudade se esquece
Tudo se desvanece
e
cho
v
e
junt
o
co
m
a
c
h
u
v
a

Antigos sonhos de um antigo caderno I

Alguns problemas por falta de identificação com a matéria.

Falta o barulho da máquina de escrever
para embalar os sonhos deste poema
caíamos nós no embalo da rede,
amparada em tradicionalíssimos
festivais de celebração
da futilidade humana...

Embora roubamos robalos
é para matar a fome.
Sentimo-nos traídos
pela
própria
carne

O caderno grita suas decepções mas ninguém o ouve!
na rua lotada
cheirando a álcool e meu vômito
somos traduzidos num mingau de erros
na elaboração concreta de uma arma
mais eficaz contra nossos próprios defeitos

A poesia é meu abrigo
onde me refugio de mim mesmo e
de todas as possibilidades de me perder
da minha própria humanidade

quem se importa quem sou
Ninguém se importa com alguém
e quem remói a sua própria frustração
?

A tinta me surpreende por sua fração
A língua pela aliteração
literalmente
estamos nos perdendo de ti, Caeiro

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Tevê e vê.

estou chocado com uma piada que li
ah não não era piada era verdade e é
o jeito mesmo é cobrar

quem sabe

olhos internos na gaveta homicida

vasculha culha culha
velha velha idéia
esculhamba
nó de garganta
que nos faz calados
frente ao ódio inerte
que a televisão mostra e não vê

domingo, 6 de dezembro de 2009

Controle.

Mãos inchadas
e olhos doloridos do sono

Acordo como quem faz guerra...
Fazer acordo com quem faz guerra

à espera do ano, fica pro ano
a vida sem presente

O melhor presente é fazer,
às 12:30, o que você nasceu pra fazer
neste país.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Parir Caeiro

Estou parindo Caiero
Só parto.
A dor não é parte do parto
parto é parto dor é dor.

Dadá

Restaura
Papel-higiênico
- Dadá
.

Insônia

À noite
a ansie
dade vem
como de
pára-
q
u
e
das

(À noite
num êx
tase
de gozo)

A hélice
de um
heliinseto
repousa.

O dia acorda amanhã cedo
O dia acorda quando a noite dorme no horizonte

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Míope a lua

A lua era como o poema da cabeça
A lua não era poesia apenas era lua
A lua não era sem ser o brilho amarelo das estrelas
A lua era a estrela mais brilhante

Apaguem as luzes dessa cidade
que a lua engole

- a lua era lua-de-despedida -

Um Titã esboçado à boca do céu
Será Selene procurando por Endimião?
(ocultas as suas cinquenta crias sob a sua fase mais potente...)

Preso à beleza do contorno e do contraste
perco o bonito do desfoque
causa tuas lentes minha cegueira
do mundo que é belo e nem sei

Me descreve? como prum cego místico
e velho das coisas como é o toque natural
entre a face da lua e a noite
que se misturam em um outro tom
este o qual nós dos olhos sãos
vivemos sem ver

Lua meu pagã.

Nunca tinha tanto ao eu selvagem

Ao som dos atabaques
No a
fro

t
mo
Bra
sil

Que era mais
era uma bandeira
a bandeira éramos nós

Falava já d'antes até conforme, pois que sim, todavia

nunca tinha pertencido ao que dizia
e dizia assim, quase querendo acreditar

Mas a lua de Ogum que é também São Jorge e o nome de meu santo e minha tristeza pagã
que antes me possuía sem eu sabê-la
A lua que é água prata congelada em torno do céu
sei-la como natural e humano
Com a razão e vóz que sou sendo, o grito animal que clama novamente a terra e vida e o bicho a que infinitamente pertenço

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Abrir o verbo

A abertura do verbo é uma cirurgia linguística.

O único verbo que é qualquer coisa de truncado menos de aberto, é o verbo que soa som-ressonante na cidade do Brasil. O que me faz duvidar que seja português...

(...)


pra rasgar o verbo logo de cara

fora da cidade
vem o ano
que vem
agora

escrevê, fa
zê, po
e
tá Dá,
dá qué,
fa
zê fa

e
poe


já na cidade
vem o ano
que
viria veio
mas não
foi ontem
foi
mas não
veio

ca
dê cadu
co me
çá
ranhá
pra
brí o ver
bo des
de





Leandro Paixão e Rafael Jambas

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Sobre som e silêncio (primeiro desenvolvimento)

A palavra é a quebra do silêncio que é inércia de um eco surdo que se repete e repete e repete em nada que se movimenta. O silêncio envolve todos os sons e signos, é o conforto das palavras. Na sua ausência-mais-que-presente o silêncio paira no te-dizer te amo, e o amo é o rompimento do vazioio que era amor em princípio.
A palavra é turbulência do vazio-cheio perfeito. A palavra é o serzinho humano que travessa um mar horizonte de existência.

Leituras.

Tem uma pessoa lendo um livro.
E dentro da infinidão contraste tudo nada
tem uma pessoa que lê um livro,
onde uma pessoa lê um livro,
onde uma pessoa lê um livro,
onde uma pessoa lê um livro,
onde uma pessoa lê um livro,
.
.
.

Uma infinitude de pessoas leêm-se mutua-infinitamente.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Enchente

as marginal alagada
a Cidade o caos
nas marginal alagada

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Saber-se homem depois de ter-se perdido como homem. (por enquanto sem título)

No banheiro público tem um zunido agudo quando a urina toca a louça e a palavra branca que assusta. Eu tenho medo da palavra branca aguda louça, chapela, interioriza. Passaram vinte, não! uma hora! não! nem um minuto a mais. Mas o zunido congela o tempo. E a louça. Sentado sobre o momento de dois ou mais segundos um fato. Do respingo cobre-dourado, na verdade amarelo-neon, da urina na louça e o silêncio de um zumbido! É o tempo que se tem às vezes para respirar. Mesmo que seja o ar sujo da louça mijada. E não exige nenhum ponto final, em todo caso.
Foi se aprofundando, mergulhando como sendo a louça branca e lisa, impenetrável de palavras. Conhece o interior de todos, a sua filosofia. Sabe quem olha para o lado no banheiro mas olha toda vez sempre a frente sempre, e tem medo de palavras brancas. As palavras brancas são todas as cores que não formam nenhuma, a presença ou ausência de todas. Reflete o que lhe é imposto, mas é impenetrável. Como a louça. Mijam nele. Ele não tem identidade, é branco. É um rato doméstico, branco e bonito, mas impenetrável, nunca saberão o que se passa dentro dele. Ingênuo e não. Todo aquele cheiro o envolvia e adimirava, todo sem cor. E era ali como numa bolha - suja - que respirava. O mundo parecia tão real ali, e o rato doméstico se conectava com um passado ancestral de bueiro. Seu rabo quase chegava a crescer. Mas respirava e no momento que o ar lhe tocava o nariz, naquele instante, não despertava olfato, pois o fluxo invariável como que empurrava o cheiro para longe, até que uma nova onda de ar lhe tocasse o fucinho. Rabo não criava não, mas que tinha bigode tinha. E sentia toda a pureza daquela atmosfera. E ali não tinha medo. A porcelana não lhe ia julgar se sim ou se não, e além do que, também era ele uma porcelana, a do lado, a não mijada ainda, olhando sempre em frente em sua marcha estática. Sendo uma porcelana de mictório ainda não tinha a preocupação das privadas com as fezes e todo o lixo lançado dentro, até o momento em que - um dia - se daria conta de que todas as porcelanas são interligadas pelo interno das paredes e que por dentro de todos os concretos se tocam. Quer dizer, o que uma recebe a outra recebe imediatamente. Talvez não o sinta, mas recebe. Nesse espaço entre o tempo e a bolha de pensamento em que se encontrava não sentiu-se mal. Sentiu-se homem, humano. Sabia o que era a louça. Conhecia o homem. Sabia de onde vinha o lixo. Estava dentro do lixo, como homem, não como louça.
Seu telefone toca e o desperta. Já terminara o que tinha ido fazer naquele banheiro e se deu conta de que estava imóvel em posição de como se estivesse mijando por um longo período, que durou dois ou mais segundos. A porcelana tem a sua própria cronologia. Assim também o homem. Seu telefone o faz se sentir mais porcelana que antes. E talvez ele tenha se dado conta, ou talvez não, o que tenha sido dito pelo seu rato interior mais ancestral. Bicho que vive em bando, se aquecendo em grupo no interior dos esgotos. Talvez isso o tenha tornado mais homem. Talvez isso teria ficado claro se ele tivesse jogado o seu telefone no lixo. Mas não o fez, naquele momento não o fez.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Domingo

Três mulheres dançam na sombra. Paira a fumaça de um olhar,
neste dia Domingo, tão pacato
tão calmo, calmo, calminho, carinho...
Ninguém anda com pressa, ninguém anda,
ninguém tem pressa
Pressa, pressa
Pressa
Pressa
Presa
.
.
.

A Pressa é uma linha rápida vocálica que atravessa verticalmente o poema

Alguém passa correndo através da tarde vazia e calma
- fumaças e nuvens compõem o céu -
O céu passa devagar,
Empurrado por ventos invisíveis,
desenhando com água e gelo,
diz o rítmo do pensar, do passar, e o pensamento conversa... versa?

O Domingo se transforma em pássaro que canta voa e pia
Pia tal o menino que passa correndo
Mas não estraga o poema
Ele é o poema quando grita
Ele está o poema
quando canta pia rodopia
E dança
E canta
E torna rodopia
E me arrepia, cada vez mais rasante, descendo, como uma queda, nas linhas do poema.

Enquanto na terra as formigas
somente elas
movimentam a monotonia do Domingo.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Resposta

Tão humano e egoísta que sou,
um egoísmo que é fruto de uma liberdade que não quero ver perdida
e ao mesmo tempo desconheço, a liberdade moderna! tão solitária que se prega!
Não conheço a liberdade que quero e tenho mesmo sem saber.
Tão humana e frágil que te tenho, como palavras em um papel
que poderia ser rasgado sem o mínimo esforço, a não ser por me envolver
e exigir de mim braços do tamanho do mundo e do meu próprio cru
do tamanho do meu cruel e imperfeito, do meu lado escondido de mim.
Nada mais é idealização, nem nunca foi... tudo real. hoje real e verdadeiro.
Ao retirar de dentro tudo o que é dor e é tão nosso, o que sobra é um lindo céu azul.
fica um poema que é feito de mais elementos que apenas palavras.
Ao retiramos a casca, podemos ter a ferida aberta e sabemos enfim que lá dentro há vida! Não há necrose onde há vida, pois o sangue é como o movimento da própria vida.

Invejarmos um ao outro nesse sentido é querermos completarmos como uma única experiência. E vivendo nessa liberdade compartilhada sabemos ser o mundo uma única experiência, na qual temos do fundo-interior a contribuição individual do avesso de cada impulso, cada pulso de vida que admiramos em sintonia.

Nada acaba, portanto nem sequer atinge um meio...

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Soneto amordaçado.

Nada a nada
sou esse intenso indecente
indefinidamente...

O poema, apenas apalpado
apalavreado, um amálgama
deterioração da palavra.

Romanceado um momento
um instante fixado
em a-b-b-a letrado
vale ao menos um soneto

Inverso de pé virado
emoção alardeado, reviravolta
estilhaçado, recolho-me a mim
para em mim não acabar machucado.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Pra quê doer?

Podemos brigar eternamente
mas para quê, se sabemos sermos
estarmos sempre afim
estarmos e sermos sempre amigos
companheiros enluarados da terra
num cio que não cessa.

Ciúmes pra quê? se a terra é tão banal
e maravilhosas são as cores do céu
e a vista da pedra branca tão mágica
da terra de fadas e duendes, sob escrúpulos
e pudores animais, são instintos que a gente não vê...
e são posses que nunca sorvemos
porque não possuímos nunca senão
o que é matéria um do outro.

Por que não possuirmos senão a liberdade de querermos
e estarmos sempre afim, do que nos é tão não igual
seguirmos passos um beijo de Caetano
e termos sempre a não briga, o não motivo e o não chão
se nunca houve a queda, já que a queda de um mimo
é a ferida do orgulho que não cicatriza
em nenhuma e todas as mulheres continuamente
se o amor não morre dentro dos nossos olhos
e o carinho sempre emana de nossa pele fina.

Por que pegamos partículas de drama dispersas no ar
para produzirmos uma prosa sem vida
se em nossas passadas e futuras pegadas estão as palavras para que possamos compor uma poesia?
Pra quê sofrermos com a sintaxe louca do sentimento,
se podemos nos alegrar com a semântica de um beijo?

Chuva de vidro

Um calor tão humano de errar
produzir estar deixar cuidar do que é seu
guardar como um reino marginal
fora de si e de tudo
sobre os telhados tão céu
abuelita, boca de bueiro, buraco negro
entrada incipiente de mar
osalardendopeleadentro
um recipiente hermético
fechado coração, cerrado
um balanço de mar balanço
de rede enquanto te expõem as veias
no mar aberto sobre as ruínas
do que não é sertão
nadando contra a profecia
rompendo os tendões da poesia
sob um choro tão ralo de uma tristeza profunda
quanto a chuva rala
com o ar enquanto desce fina-cortante
como choro de vidro
atravessado a gritos e palavras
decifradas com a raiva
sem razão noção perdão
um poema inteiro retirado
do saco de um lixo contagioso
de uma sala de sutura
onde se costuram emoções.

Do fundo do meu polegar opositor.

Seria como sacanagem
vamos ousar, vamos lutar brigar
vamos beber
conceder loucuras
vamos saltar pela porta de vidro
abrir o corpo para a liberdade
vamos fazer um pacto com o diabo
que já vivemos em antecedência
vamos fazer a literatura subversiva ao nosso extremo esquerdo
e extremo direito lado absurdo
produzir sem leis, errar, beber, sei lá
como já nem sei escrever.

Faço o cérebro pensar mais devagar
para acompanhar o movimento de um só braço rompido
nos tempos de crise que crescemos tanto
nossa dor tão eunuca
castrada em osso no osso pelo osso
ao fundo regaço do osso anestesiado
gago de raiva e chorando bestialidades.

Somos tão animais...
somos tão animais em forma do mundo
em busca do mundo
tão triviais...
invisíveis previsíveis
indecentes... submissos
ao tão cru intelecto
dominados pelo polegar opositor
nosso verdadeiro fator evolutivo.

Os tempos não mudam
a história cíclica.
o poema catarse
revolta depurada
em forma de remédio
como droga da tristeza
uma sala de soro de 80 anos

O tempo preso dentro de uma ampulheta
e fora dele o verso livre voraz.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Chuva e tango.

Saltos no telhado
Saltos, slatos, sltaos, sltoas, sltosa,
Saltos como num balé onírico na fluidez da madrugada
Numa erudição do movimento
Saltos, saltos, saltos,
Conformes consigo, com uma conguência eucléica de noite.

Um remorso de um salto
Ainda um salto, como um toc no telhado,
Como uma maçaneta da água estática no céu
Moderno, exaltação do corpo movimento
Uma expressão de arte em ser, de ser em,
Arte inspiração de uma expressividade tônica
Sonhando com um ronco de Ciello
No compasso rítmico que é a pulsação do sangue
Do corpo-sólido-imagem,
Nos saltos do balé do telhado.

Dança louca e barulhenta, como murmúrios,
Rumores de um tango coreografado em beijo no escuro
Profunda pele que é como um toque
Em um Piazzola dançante, o tango menino,
Preto e branco, como um xadrez, lúdicos cavalos!
Na esfolação do tango, na evolução do tango, Tango!
Arranha como uma sonoridade de cio
Um ócio ocioso nos saltos do tango do telhado, erótico,
Como uma sugestão às luzes do teatro
Rejeição da mente no brotamento do palco
Só o golpe egoísta dos saltos, do balé dançado
pelas gotas de chuva que caem da madrugada.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Estar humano.

A madrugada me despedaça
numa noite sem sono
sem sem sem sem sem
fundo da vida
rumores do vaticano
do inferno sem despedida
o planeta terra fora de sua própria órbita.

Arbitrário da saudade
o sofrimento é sempre uma escolha
- a dor não o sofrimento sim -
e me espedaço sobre o lenço de papel molhado
entro e me escondo na gaveta
dos meus próprios pensamentos
devasso! É uma devastação do equilíbrio
como o próprio sofrimento devastado
explorado no seu ínfimo colar de cólera
coibido de pensar de outra forma
o impedimento de se pensar
sem o mistério da madrugada.

Versos esfacelados, acéfalos
como a massa endoidecida, tresvairada
humanidade, grita louca dentro de mim
produz arte produz arte em frangalhos
como lágrimas de um sol vermelho vermelho
como o ultra-lilás e a outra ultra-cor
qualquer que seja o verso, sempre a sua ruína
sempre a sua dor é o que transparece
alumia como um cadeeiro imaginário
a sombra da sombra no quarto da madrugada.

Enquanto isso correm nus
todos os outros animais
cantando o prazer
que é a natureza
sem complicações
da vida
que é não ser humano.

domingo, 9 de agosto de 2009

Poeta e leitor da despedida.

O que é o crescimento senão a despedida

E o que é a despedida senão o sonho
a casa vazia e um beijo roxo
como aquele do livro empoeirado
empoleirado na prateleira gasta
pela mensagem do tempo que se materializa
em bolinhas nas roupas mais antigas.
Como esse olhar que fica espraiado
espalhado pela superfície do rosto molhado
por lágrimas que não têm, difíceis e ingênuas,
que não é choro de tristeza ou alegria,
mas um pranto lírico que é o parto das palavras
que alguém chamou Maiêutica.

A despedida cria palavras.

E o crescer é sempre uma coisa nova
como dor de alongamento, estica
uma distância de nós mesmos para então nos tornarmos outro
que é nós mesmos mais ainda, desconhecido...
Crescer é um choro sem lágrimas.

Crescer é um pensamento que não pára
é como uma paranóia humana, um desalento
desatino vez ou outra uma comédia
droga e remédio, é causa e consequência
de sermos nós mesmos.

Crescer é um medo de sermos nós mesmos.

E sermos nós mesmos é ser uma lagoa toda crepúsculo,
toda noite, toda água, toda universo.
Toda espelho para quem vê do lado de fora,
como pertencimento,
mas toda profundidade pra quem vê do lado de dentro,
como existir.

É ser poeta e leitor da nossa própria poesia que é a vida.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Aos nossos moldes.

Já briguei nesta rua
com alguém, não sei
minha alma? truculenta
um passante um mendigo
- por aceitar mais facilmente que eu: ser -
uma raposa que corria por entre os galhos
da árvore do cemitério
com a árvore e com o cemitério
e com os fantasmas assombrados
que rondam mundo afora sem realmente achar saída - que desespero!

Já brigamos nessa rua,
todos nós, humanidade! inculta, oculta, difusa
diariamente confusa na sua própria negação
à mim, humanidade, pouco me importa
que passo tal passarinho
tanto com passos curtos ou longos
nem sei mais, mas já brigamos
e ainda brigam, as pessoas de lá,
como se fossem se salvar algum dia
de serem também eles roídos pela aceitação da verdade - como é difícil!
(Ingênuos! alegremente ingênuos são
os pássaros da minha janela que não brigam
nem nunca brigarão - a não ser por amor
que por este vale a morte de um enleio: o canto)

Receio pois que um dia paremos de brigar
tão confusos, tão perdidos na nossa ignorância
já briguei, já brigamos,
como a morte da mocidade perdida
no vazio concreto e abstrato - da nossa ignorância, breve mas feliz...
dos nossos moldes, como uma imposição
desde o berço pertencer, subjulgar a nossa verdadeira felicidade
a fim de pertencer! como sacrificar uma loucura
para pertencer - e talvez a loucura fosse a mais saudável das verdades
indolor pura infinitamente liberdade. Liberdade!

Para quê enfim, pertencer?
Talvez para brigar? - só brigam os que pertencem
E para quê brigar se nem sabemos da nossa própria (in)felicidade
como um destino comum enquadrar-se numa refletiva
inflexiva paraplérgica invessa disléptica - absurdo!

Para quê falar de mim, se tudo e todos ao meu entorno serão sempre entorno?
Entorno! Que te interessa a minha alma truculenta? e minha abnegada poesia
que não satisfaz? Por que evitas o amor? Por quê? Por que respiras? tu que vives tão mal em meio ao tiroteio eterno - interno - que é este viver de gente...

Sobre cãos e vira-latas.

Eu e os cachorros de rua
nessa alvorada, nesse caçada
por alguma lata, uma lata que seja
alguma viralata abandonada
para lhe roubarmos a alma.
Te escondo a minha comida
o meu berço - não quero que penses
que um dia fui criança -
Seguramos na corda do alpinista
e subimos com ele para o alto
e além do alto e morremos
muito sôfregamente no além do alto.
Vinícius, tu que me reviras como lixo
tu poeta, como gostas, me come no café da manhã.
Eu que sou feito de muito pão e suor,
e na verdade muito cuidado e carinho,
como tu um monstro da delicadeza,
e de singular beleza me esquivo
de olhos esguios que me fecundam,
nos sonhos uma mulher me fecunda.
Ela que no mundo me achou, eu
que sou o seu viralatinha
ensopado de uma realidade banal
cansado, muito cansado.
Regado por influências da última lua,
amanheço o dia antes do relógio acordar
e abro o céu como se fosse o tecido
daquele a quem chamam deus,
o psiquiatra infrio do mundo, incruel e insensível,
e criador de seitas que exploram em seu nome.

Nessa madrugada que já é mais que clara,
e mais que dia embora madrugada
janto-lhe os braços e as pernas, oh poeta,
oh muher, oh deus!
Janto-lhe os versos Vinícius,
janto-lhe o emaranhado dos cabelos de gozo mulher, muito mulher,
janto-lhe os pecados deus,
e janto-me a minha eterna e brusca poesia.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Mínima lua.

A luz da lua invadiu delicadamente pelas frestas da casa, reluzente,
Como um poema de mãos pequenas.

Impossível achar luvas para palavras tão doces.

Meia-vida.

Poema meia-vida
Poema me
Poem
Po
P
.

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Chamamento.

A vida falta de rumo a nossa distância
distancia as palavras de mim
como se cada viesse de um planeta
deserto, marcianos, uma outra linguagem inteira
nosso amor em braille, nosso amor em terra
aqui nesse inferno perdido que deus esqueceu
sombra tateadora de um futuro incerto
mas tão certo é um futuro juntos
como eu quero como eu quero
sentir faltar palavras no nosso próprio planeta
e criar a nossa própria linhagem de seres humanos
desumanizados, criados para o prazer
para sermos sem nome bicho de nós mesmos
e te devorar devorar devorar
despudoradamente com um fio de suor e lágrimas
de um riso eterno que não pára nunca
como uma luz que demora muito a chegar.
Faísca combustível de um tato inexistente,
distância saudade comburente
desfaz e faz sempre, como hoje
a seca dos mares para por entre as chuvas e as ondas
eu rolando as dunas como o vento
venha você com a leveza das nuvens
como um raio clarear toda a escureza dos meus dias.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Chuva e poesia - II

Nado no céu molhado pelos olhares das gaivotas que se perdem no oceano.
Nado na água nada como satisfação
Suave e calma como a própria calma
Branda e casta como o abraço.

Dia de chuva e de colher,
da cama bagunçada como um último dia de feriado pró-longado.
Dia de palavras ditas sem pensar como um sentido.

A casa meio escura me absorve numa mansidade
e eu vou afundado, afundando, afundando...

Chuva e poesia - I

Chove a fantasia junto com o vidro da janela que é líquido também
Escorre inspiração pelos cantos dos guarda-chuvas, que é tudo inexplicação
Que é só um canto de guarda-chuva e é também abrigo para a pele da mulher bem arrumada.
A chuva é companheira da saudade, saudade até do que não tem.
Corre a umidade como um sono percorrendo meu corpo
Que enlaça pontas perdidas de mim mesmo.
Incentiva a brincadeira de uma mente incendiária
E poetiza a vida como uma serenidade.

A fantasia em cima da mesa.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Língua

porqueapalavraapalpada
frasesemsentidoperdida
nalínguametalínguaroída
pelosqueaindainflamam
aínguapelafaltadeacento
semcrasepalavrasemcasa
decimalnãoématemática
umasociedadetãoperdidamente
perdidaemseupróprio
egoegocêntrico
queperdelouca
alíngua.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Da coerência junção de palavras.

Escrita palavra, reflexo engatilho da conjura sobre o desestável de todas as coisas. Uma porção de sentimentos traduzidos ao espaço sobre uma rede mais que complexa de sentidos, idas e vindas de um calor quase que insuportável. Ao sê-los e apenas, tudo vai se convergindo para um somente só, bem desequilíbrio à explodir a qualquer fagulha. Um estilhaço de bomba na cara do controle separa do mesmo buraco em que tudo se confunde uma palavra, mundo, de outra, realidade, e a palavra vida da palavra abismo, então enfim, uma livre para se encaixar na outra com coesão e senso, tendendo à sua livre inércia. O mundo real derrama vidas ao abismo sem fim.

É possível?

De um índice completo de todos esses momentos, o encontro foge, ruidoso, abre em um choro epitelial de variadas camadas de chuva de granizo. No auge dos tempos nos rendemos ao impulso externo-material, pois nem que os pássaros cantem mais. O espaço diminui, e o tempo aumenta sua expressão-víbora devoradora da calma, em várias vezes milhares de divisões ínfimas e confidentes entre si dos pormenores da humanidade, tal qual escrevo nos exatos minutos e milésimos de segundos e milhonésimos deste no decorrer das 17 horas da tarde bem marcada, impossível de se perder em um infinito tão bem estruturado. Tão bem estruturado vivo o homem-só, perdido de Cândido e sua inocência-ignorante bem visada amiga da felicidade no cruel negrume do asfalto que encobre camadas de vidas subterrâneas, subalternas, subentendidas, sublevadas, subinformadas, subvividas... amarradas por ainda uma questão de destino mal rasgada, herdada do tempo dos pecados capitais. Neste meio incompreendido pelos deuses já destituídos por nós, o deus-da-vez Deus-mercado aguarda outra calamidade para abalar sua ordem reinante.
Em meio à isso, um casal invisível tenta sobreviver pelos apenas prazeres de um Corpúsculo de Meissner excitado.

domingo, 14 de junho de 2009

Luz.

Está tudo tão claro agora.
Tinha medo antes, mas a sua força é tão grande tão grande que esse medo passa a ser besteira de corpo; E o seu sorriso, luz da alma.

O tempo sorri.

A cidade passa por mim,
deitando despedidas feitas
pessoas e pessoas se apresentam
a meu humor, descaradas, escancarado.

Brilham as luzes de um lugar
onde ninguém jamais esteve.
Um lugar, quem sabe síntese,
pois um desconhecido em mim.

E essa necessidade louca de escrever,
necessidade louca de escrever,
que estive contigo

Quem sabe para tentar guardar
cada sorriso dado ao tempo,
como um tato que vira palavras.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Quem sabe síntese.

Na cidade gelatina,
encoberta de pedras atiradas à Geni, aquela vaca,
cresce o cão Matuki, nome indígena e de rio,
não nem daqui nem da China,
mas d'outro qualquer lugar distante nesta Terra geóide.
Enquanto isso, distante, marcianos verdes procuram
a explicação do universo, roubada por um gremlin fugitivo.

Quem sabe num domingo de paradoxal paz e futebol,
miremos as nossas pedras ao invés da vaca da Geni
para um pelador qualquer, TV,
maldito ópio, base de todo panis et circences
desta grandiosa Roma, onde um Urbano dois
foi até a cidade caduca de urbanidade.

Estamos na Pax do ai que preguiça! de jorrar sangue
do ai que preguiça! deste caos.
À todos os feudos que são os condomínios,
bom poder fugir da criação que deu errado.
Pra quem fica do lado de fora, tchau.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Amor de mar.

Nosso nos é, o beijo, sentimento tão puro
do gosto do beijo das palavras que nos tateiam quentes
ainda amornadas no verão interno, sobrenavegando os mares
que encobre de inteira rebeldia os nossos anos incertos.

Como não sentir, uma vez que balança o mar inteiro,
que é amor, pros olhos de quem ama
o mar cego, que nos cega e nos entrega
e é ainda a mais cega de todas as nossas certezas.

Repouso as palavras molhadas sobre o calor do nosso beijo.
Os versos causam rebuliço dentro desse mar profundo
Reviram sua ressaca, tamanho poder que têm na poesia.

E o mundo se expande, para não transbordar a água
que emana de seus lábios, onde guarda todo o amor
de que falamos sem entender, eu e o mar.

terça-feira, 5 de maio de 2009

Filosofia de morte.

Palavras se perdem na escura imensidão da noite em claro
buscando respostas de um infinito sem fim de finitas razões para se ser e ser se
palavras de filosofias antigas, e de remotos indícios do pensamento
Busco clareza nessa noite em claro.

A busca tem senão uma razão
de ser sem se, de absolutar a certeza buscada.
Mas a busca, por ser humana
se acaba em certeira ilusão.

Passa o tempo que nos enterra,
e uma certeza se leva em vão,
de que nossa verdade fora incerta.

Filosofia esta que nos desperta,
aprende-se a viver com fantasia,
e verá que somente ela tem razão.

quinta-feira, 30 de abril de 2009

à Stalingrado.

Escalco, desfalcado Stalingrado,
onde jaz uma ilusão perdida.
Falso líder, nesse mundo já deturpado
em vão erguemos uma bandeira ferida.

E jorra o sangue pelas veias,
pelas esquinas e ruínas do que um dia fora um sonho.
Jorra o sangue pelas veias, pelas esquinas ruínas,
do cadáver de Stalingrado.

Assim caminhamos, em pecaminosa quimera
que ainda assim resiste
existe na bandeira que sangra.

Passaremos por cima do que era
para um dia mudarmos a imagem
do sangue que ainda jorra de Stalingrado.

The ladder.

Will we lost ourselves?
Will the language disappear?
Will we not need to pretend anymore?

Like a ladder, we're climbing...
Like a ladder, we'll get to the top
Like a ladder, when we get there, we'll see

Just like a ladder.

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Escibo.

Yo tengo que escribir.
Un momiento de singularidad;
una corriente de pensamientos si colga en mi pelo
con su ruído a mi callar.

O mundo está dando voltas com minha cabeça.
Às vezes tudo parece tão perdido...
e nem eu quero voltar...

O ser humano é tão frágil.
Y su grosería tan grande.

- Su grosería es tan grande que lo tiento en la piel.

El miedo ven contudo, atónito,
Bate en el agua, en el despotismo de su silencio esclarecido
Y arrasa otro outoño. Otro. Otoño.

Las palabras bailan sobre él,
bailan las palabras castas de sus follages amarilladas
y yo tengo que escribilas. Escribo. Escribo el otoño.

Mas parece que me escapa a mi.

terça-feira, 31 de março de 2009

Eu, improviso.

A língua presa prende
o trapo sempre preso
requebranto pranto.
Prato quebrado em seu adro.
Quadro preto rebaixado
a edro, coisa de pedro,
preto pedreiro,
branco lixeiro,
preto riquinho,
branco pobrão.
Coisa desigual e não.
Assim senão,
não coisa de cor
mas de gente, que é minha
minha gente, que se esquece
que gente é gente,
e que outra gente é sempre
gente como a gente.
É que não param,
meio a muvuca alienante,
e nem pensam,
entre o barulho alucinante
de civilização.
Poesia em cria,
procria em versos.
Da cama ao luar,
do luar à cidade,
da cidade ao grotesco,
do grotesco ao vento,
do vento ao caos,
do caos ao ventre,
de alguma dessas gente
que já não se lembra
do que é ser gente.
até que o rebento
largado, rumo,
seco ao relento,
abranja enfim,
pouco a pouco,
e toque, com um dedo rouco
o borburinho da calamidade
que reside em cada canto
da nossa inflamada e avançada
e já não tão humana
soterrada sociedade.

quarta-feira, 25 de março de 2009

Comofazerumaodeaoserhumanodehojeemdia.

Ser em si um ser em questão, ser ou não ser,
O Homem, bicho estranho, é, mesmo, de si mesmo irmão?
De hoje se nega a clássica poética,
que passa a ser fruto incisivo da degradação do ser Homem.
- Degradação da língua.

Deve ser a poesia um eco solúvel
para essa coisa contraditória e descompassada.
Rima mal-passada da miséria humana apenas
cápsulas de bala para o gordíssimo pudor do dinheiro.

Las cosas que importan.

Images from a veiculated infinite world made from finite matter.
Fick dich, ninguém se importa.
O Mundo hoje, o Mundo do futuro, o Mundo de ninguém.
Jamais foi nem nunca será, Mundo.
As the humanity goes - full of vanities and desvanities -
Caminhamos com as patas de trás rumo a um buraco negro.

Dioptic ilusion de le Monde, Monde irreal,
Mundo de sangue e carne viva. Mundo de gente real.
Mundo que navega pelo espaço,
rumo ao todo e ao nada do universo
em sua constante e infinita e serena expansão.

Comemos uns aos outros. Devoramos nossos companheiros-irmãos.
Antropófagos humanos deprovidos de emoção,
gordos de estupefatos exageros nas margens do superávit primário.
Y, en el gran final, para alivio de eso corazón,
Las cosas que realmente importan pueden ser compradas.

Si fueres bueno te daré un regalo.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Por culpa de quien?

Alguns anos de solidão,
algumas vezes, assolam a vida
e alheia à duas vontades e meia,
pressente o presente de una soledad.

Um saudoso poeta poliglota,
something in english, he wrote,
Qu'est-ce que en français?

Je ne sais pa de rien
Or is there something left in my mind?
Por quantas sabe, se sabe, a quantas vão?
Alguma métrica bloqueando a visão?
Yo no sé quien ha sido.

Livreto em forma turística,
fast cours de français,
Porque yo no hablo español...

Qual será, enfim, o futuro filosófico da nação?
Algum tema de tour Eiffel, europeic bullshit
deixada sorrateiramente sob os chicotes da escravidão?
quien mucho, quien poco, todos contribuyeron...
Who's guilty?

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Livros

Vamos compor alguma coisa?
Eu perguntei pra ela.
Mas ela só mecheu a cabeça e abanou o rabo.
Coisa estranha telepática ourivesaria
é o rebanho de cachorros do meu pensamento vizinho.
Como um saco de dormir, saco de palavras, saco de trovador.

Que saco só latir. Tentar em vão me comunicar.
Mais fácil me trancar num escritório meu mundo,
cheio de navios e barcos a boiar, antes que a enchente me venha valer.
Genealógica árvore de pensamentos, por trás dos meus óculos escuros,
em uma tarde que não se tem muito o que pensar.

São os livros que ando lendo. Mechem a cuca e remexem,
em refinado desconcerto. Me penetram na vida,
reviram a morte, criam versos com molas.
E me fazem até falar com cachorros.

Chuva das seis (Para um Fórum Social Mundial em Belém do Pará)

E chovia, bando de escritores
de um dadaísmo obscuro, e um misticismo irreverente
chovia estrelas mil,
em noites de bêbados equilibristas
em solo e céu do Brasil.

Chovia um pesadelo de possibilidades
em um minuto de solidão.
Sofria calado uma personagem assassinada
por um pingo de escrita
em acentuada inquietação.

Rola madrugada abaixo,
um bueiro destruído por uma tempestade política
estupro no banheiro de palafita,
preservativo destituído de uso
e um bebedouro para trinta mil pessoas quebradas
onde ainda se cria na vida.

terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Olhar pra você.

É um abismo isso,
de arrebatado-deslumbro
em ponta de prancha-tábua de navio-pirata.
Dá de - enlevado desvario -
querer me jogar de cabeça,
e dá de dar medo ao mesmo tempo.

Uma poça de cabeça-virada
em que a água não escorre
nem escoa, e mesmo assim
molha o meu mundo e além.

É um não-sei-o-quê,
de dar nó e entrelaçar
todos os estilos de um mesmo poeta,
e dele reinventar muitos outros.

Afunda a lua e o sono,
profundo gozo de rima brincalhona,
em olhar ofusque
e sorriso fascínio,
de se perder em seu êxtase.

É todo um poema de pé-virado
onde tudo perde sentido e ganha
a todo momento, um deslumbre, um viés,
de enleve respiro. É um suspiro à sua frente.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Noite de inverno.

As palavras se estratificam como nuvens num céu de lua cheia,
conglomerando gotículas de concepções e significados
na tela da mente que desmente idéias dementes,
deveramente simétricas à cadência de estrelas e pedidos.

Nesse céu cambeiam tons e tons noturnos
de azul-escuro-filosófico e azul-claro-meditativo
de sutil gradação, pincelados em aquarela desbotada
da sobretela de vapor d'água, justaposto ao imprevisto cenário:

A Lua, inteira e maciça, de inquietas formas a se diversar,
delineia silhueta zefíria, onde não se sabe seu verdadeiro alcance,
e conversa com a noite, em arcano namoro. De lenta e vaga
não deixa claro seus reais escopos, e permanece aprazível,
sempre bela, esperando cortejo, e seu devido prestígio.

As estrelas condizem: à seu chamego, fazem extravagante declaro,
nascem e renascem, discutem e batalham, pelejam e se ofendem
todas de suas devidas distâncias, de modo que quando elogio atinge destino,
por gênero de excêntrico acaso, passaram a vida inteira acreditando amor incorrespondido, pois que já inexistem.

Embaixo, sorrateira, dorme a inquieta cidade, apreensiva numa noite de sono,
intrigantemente desapressada, harmoniza-se em cardinale conjunto,
de aprazível concerto:
Van Gogh deslumbra uma noite de inverno em pleno verão arrebatado.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Poema palavra.

P O E M A
O
E
M
A

Circunstância letrada da vida...

...momento preso entre os dedos de cada palavrA

V I D A
I
D
A

Poemática da arte existir...

...viver é retirar de cada momento a sua poesiA

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Não cotidiano.

Dois jovens acordaram com um desejo estranho um dia:
Queriam tomar sorvete.
Mas que estranho desejo para se mudar o cotidiano da cidade...
Seria como lamber as ruelas frias e cinzas da grande metrópole.

Não há sorveteria, não há sorvete.
É como se a caça e o caçador desentendessem
como funciona seus respectivos papéis.

Aonde se esconderia vertiginoso desejo?
Por baixo do asfalto ou por trás das infindas mercadorias?
Teria escorrido bueiro abaixo,
para os profundos do cemitério de concreto?

Acha-se de tudo no enorme empório...
Vontades criadas, anseios divulgados,
ambições incabíveis e pretensões idealizadas.

Mas naquele dia foi impossível achar um simples sorvete.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Que falta faz Bacamarte, aqui na Terra.

Libertaram os poetas! salve-se quem puder!
é um deus-nos-acuda e ainda um sei lá:
eles abrolham das praças, brotam do chão e do nada,
chovem em dia de sol - quando ninguém está de guarda-chuva -
aportam nas portas e ancoram nos portos
apontam e despontam e assim procedem,
dominam a cidade e tomam o governo,
retiram os cartazes e queimam as bandeiras.

O povo, em caótica, decretada calamidade, exclama:
- "Nada tem sabor para eles! ingratos sem raça!
despregam e relegam, pelegam injustos!
essa gente astuta e capciosa! esses tais de poetas!
são loucos! loucos psicopatas de excêntre-recesso!"

Estabelece-se a bancarrota humana, a ruína:
- "Nós, poetas, determinamos a partir desta e de agora,
que o mundo parou! não haverão mais Estados, não haverão mais fronteiras,
não haverão mais nomenclaturas! A modo que tudo é um e de um se forma o todo.
É o fim dos objetos e das coisas, dos artefatos e artifícios.
Serão fechadas todas as congruências, serão fechadas todas as conveniências!
Viveremos só do que nos cabe nas palmas das mãos.
A partir desta e de agora: ninguém é poeta e todos serão;
e seremos o que sempre quisemos ser..."

E foram "ohs" e "ahs" para todos os lados; mais exclamações:
- "Como?! Qual?! Isso é absurdo...!"

Pois que assim seja, porque nesse poema, os poetas são eu, e o poema ainda mais meu:
O que não dura, domínio e predicado, descai, se apaga e desbota,
abrandam-se e se extinguem, são expungidos lentamente,
pelos novos desígnios de idealidade;
- Há tempos se esqueceu o que é posse,
e o ser humano sabe até amar melhor. -
Os países todos convergem para um só, e enfim, o mundo!
Aprendeu-se tolerância e respeito, e melhor ainda,
aprendeu-se a aprender o outro; apronta-se humanidade.

Que finda em completa revolução, de manifesto versado,
regida poesia, poemática, em demasiada poematização:
- "E no fim, não eram tão loucos assim, os poetas..."

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Zunido.

Deito-me a zunir. É o som que traz a insônia,
enquanto zurra o silêncio da cidade entorpecida:
"ZZZZZZ"
Zumbe, rezuna e ainda se apruma,
para não me deixar dormir:
"ZZZZZZ"

É a auditiva vida de zumbido zóico:

Zunindo e zunzunando desmedido zuruó
- zurde-zurrada-zureta -
com afincado zimbo de Zês zombeirões.

Zangarreia-zangarilho, zarpa zaranzando
zarabataneando o sono, o zêlo e as zeugmas
em som zueira de Zê zebrado...

Zazaneia essa zabumba zicada, e enzarelha
- zepelim-zigomorfo-zigue-zague-zão-zão -
zarro de zoísta zombaria.

Zoantropia pior que zoada de zodíaco e zinziar de cigarra tonta,
sempre zumbindo, em zarro.

Mas a cidade, que dorme zapeira,
se esquece até do alfabeto, e entoa,
em zuído zumbaieiro, zunido uníssono:
"ZZZZZZ"

Metapoema.

O que chama, renasce, reluz e reclama
é o carro que escorrega;
é a alma que desfrega;
é o coração que desprega;
...esse unívoco jouer de palavras,
que é a minha poesia.

Faz sentido e desfaz, de própria-propriedade por ser apenas.
Mas se completa: Reluta por si,
abarrotada de coalhados rumos;
E também me completa, sim senhor:
Vincula opinião e preferência,
conhecido e experimentado
e notado e apercebido.

Contém, encerra, inclui e desinclui,
e apresenta todos significados e nenhum.
Leia e releia: pois que verá o que busca:
Um insignificante jogo palavreado, sobrenavegando espaço em branco;
Ou então buliçosos contingentes, versáteis
de solução analítica, dilateando intelecto;

Equivale ao significado de consistir, como consiste em equivaler.
E fica e é e está. E já não é mais.
Sou eu ou sujeito-qualquer, outro, que grita de lá,
e opina, e se diz e rediz e desdiz,
e já não sabe mais o que sabia dantes.
Não por ser bicho do mato,
mas bicho bicho mesmo, como outro qualquer bicho.
Que apenas é, e é.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Beijo

Beijo. Semântica do desejo
de um acúmulo real ou fracionado de saudade
e mais desejo. Outro beijo.
Chove-bota-coloca, e deposita e canta
mais uma proposta-proporção,
e ainda uma porção de mais e mais beijos.

E mais me cabe toda a vida no seguinte momento,
de desencosta de lábio e de abertura de olho,
que calha ainda de ser verdade e não sonho,
a miscigenação completa de sinfonias e poemas
que palpitam latejantes em folia-e-dança
compondo odes de impossível e contígua absorção.

É esse seu olhar que me assenta.
Em verdade, me acosta e recosta,
e encosta e inquieta. Desse olhar profundo
em que se perdem, denso, as todas galáxias de todos os universos.
E que isso representem em todo um único homem - mais ainda, eu.
Que, fundo, se abafa, e recala e não se cabe de consumir
d'onde submergem invasões de um sem fim de sensibilidade.
É ainda um bel-prazer, de infinita veleidade de aspiração e gosto;

Desse reparo-contemplado, salta afável, custoso brió.
E que te custa mostrar, cheiosa de mistério
coisa de nenhum segredo - porque desvendo e descalo antecipadamente.
Sussurro de sigiloso enigma, paira silêncio confidencioso,
sobre clima dezembreiro de emblemático calor e mais mistério,
em pouca luz e vento, corre um deitoso cochicho, que me aborda e abrange
e aconchega e abriga você como nunca tão perto.

Têm poder as palavras; e mais ainda as de Eros;
(porque é deus e porque é poderoso - e porque somos frágeis a qualquer cupido).
Quando deixa ser vista e quando viajam de você os seus demais signos
se emana e flui tudo o que a Química ainda não explica.
Se epiloga, em absurda capacidade de soma,
um absorto relicário de mais de mundos de sensações
que se expressam em três vocábulos,
que talvez traduzissem mais que esse inteiro poema.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Gana propaganda.

Um vazio buraco de nada
me separa do resto da humanidade;

Enfurnas açoite o restolho do mundo
ranca olho ranca pó ranca tudo e nada
rancorosamente voltado pra si
e nem sequer pensam
quando escutam o estralo do açoite
chiqueirador-chiqueirá, são chiqueirados
e nem sabem; o rebenque-vergasta
está na mão de todos e de nenhum.

Se auto-chibateiam e lêem auto-ajuda,
pois precisam é da achega do interno!
refulgassa a desgraça na qual auto-imposta se acha
fixa-imposição interna, do mundo da pressão da loucura
Oh, deus, quanta riamba.
Não há amparo no vale-desamparado do mundo.

Melancolias mercadorias e ninguém de branco na rua.
é a receita para o fim. Cada altiva esquina resguarda o horror cominitivo
propaganda alvitricada em vidrinhos lançados ao mar,
e o povo estático-exaltado se deslumbra fascinado
Tudo rampa, pampa, tudo enlevo, da mais gorda mentira
Engrossa posta, rolda-molda o próprio chicote
que encalabra a vida. Reluz antipático o valor do coice.

E nada disso está no "outdoor" da propaganda.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Piola de lua.

A lua gritava sigilosamente,
repousando seu sorriso taciturno
sobre este poema,
trafegado por pernilongos e vaga-lumes
branco-prateados e amarelo-douricados
de todas as origens e destinos e de toda a terra.

Em arrematado cochicho
lançado - de mim pra mim mesmo -
cravelhou-me seu enclave de chave-mistério:
giro, rodopio e regiro, revolvo e torno a girar
sou caco-de-tudo e prova-de-nada
me comprovo por inerente certeza...
É essa a guimba de meu principiado-precipício
em termo em fim: minha liba.

Estrada-fuga de extremada frieza
puá de cegueira-acúlea
bico em pico de povo doente
dor-de-cabeça de tudo o que é gente.
espinho-humano, trago, pico, limite-de-farpa
a cidade se verte em bagana escopo
intento-fito de intuito indigente,
cabo-fenecimento depauperado.
A cidade se verte em ruína.

Ao longe se ilumina sua sina
perece até ao pensar-fenecimento
transpassa o trânsito-óbito
da maquinaria óbvia de avesso sistema.
Extrato-substrato de papel folha
que te aponta e comprova ser mesmo quem é
porque quem é, é - nada abstrato -
e não pode mais ser sem contra-cheque nem prévio-aviso.
Bota, calça e registra seu pé.

Mas a lua lá do alto chameja
chispa-corusca e cintila
e me chama, refulgente
como diriam suas cúmplices estrelas
- amantes-amigas-companheiras -
e de lá se sorri: diz, se articulando:
daqui de fora sentencio:
és um adágio;
Mas eu, cá inteirinha, não tenho rolo de me embaraçar...
Vou continuar brilhando em leso-sabote
Apenas perturbando o infeliz que me notar.

domingo, 30 de novembro de 2008

Dizemos

De tão exposto já não molha mais
a cabeceira do morro pelado;
Lá onde as entranhas da Terra estão à mostra
pela falta do asfalto-negrume,
ranchião-cachaço, de melaço-de-cana,
a fome opina de lá, grita
gira seu preceito-conceito
retentiva campestre
de sua e de outra.

O mel madeirado
dimana sangue fluido
em trilogia das cores
coisa bandido abolido que foi,
a cano frio de arma dura,
um sopro que fosse
o gosto de mudar.

Não sei mais nem-quê,
nem-como, nem-porquê.
O que hoje foi dito,
dize, o de ontem
dizeu, e o de amanhã
dizerá.

Fresta de liberdade

Que posso eu
fixo 'em aleatoreidade,
em signos sinônimos
sintomáticos, da mazela
maleita guerreira
de nação-torrão
zueira zangibeira
de senhor-velho-ancião?

São estes sulcos arados
de presságio aparente
agouro-endêmico
de fornalha-mortalhada
de um inteiro país.

Perde-se em língua em tom
de desfeita abobalhada
a desgraça folgazada
sobre a expectativa de toda a gente.

E que há? de fala falaz
se convence, própria da mente
assina a gente demente
ardilosada-capisciosamente
em sua mais desilusão
confiada do alto qu'vem.

Mas haverá, de poderio,
ariçada a raiva quente,
quando a descoberta
se deparar ao achado
e publicar seu desvairado
penteado-que-rege-o-mundo
encarapitar a foice e o martelo,
após derrocada a bandeira de deus
alucinado de povo pirado,
de se confiar esperança?

Mas há, sim qu'há!
Antes d'o planeta parar de rodar
já se vá aspirar o ar da liberdade
tão lânguida nesses tempos
e nessas coordenadas,
que só por uma fresta fugida
nos coube uma vez ou outra atentar.

sábado, 29 de novembro de 2008

Sério-sério

Criação farsetária
falsária, falsa, reaça
ação fracionária,
fim do poema
em dois em mil...

Em uníssono, coaxado
ramo coalhado de Roma
criado-Estado-tramóia-treta
caí no conto-do-vigário de má-fé
sem parar de velhacos surdinos
no mundo de tudo.

Desfalcado improibitório
dessa nação-zumbi, nos zomba
o logro do pobre-zombado e cara-cuspida
o rombo fraudulento
de governo-estelionato.
Rematado terror de cidadania,
pacote-aprontado, embaixo do tapete.

Enfurnado sarapalha saratantas
sarapatel de trombetas moucosas.
Surdantas e tantas outras,
de tanto alento,
fique atento,
ao atentado.

Fôlego de saudade

Ainda ressoa sua voz em eco
em longe em certo, ou mesmo perto
perpassando fios e até cabos
que cruzam o oceano
e levam seu tom penetrante
que acaricia exclusivo,
o auditivo de todos os meus sentidos.

É o que podemos, em tempo,
pelo que se mostra o espaço
distante, um bloco de nota
vibrante vocal, que anestesia
pelo menos um mínimo a saudade apertada.

Enquanto não podemos
com a mágica da língua,
em u em beijo em gosto
nos desfazermos em saliva
migrante, dentre lábios
que se abocanham carinhosamente
unidos em uma só boca,
há um nímio de imaginação
que ressalva aguardar.

E esperamos. Até não aguentar mais
o peso da vontade própria do querer.
Apetece o beijo apalavrado,
que anuncia a sua chegada
e a versada revivência
dos outros quatro sentidos
acobardados pelo apenas eco da sua voz.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Prazer palavreado

É pelo prazer do sexo
que desalma e desanda
como por um orgasmo
e que ama ainda mais...

Abriga e descamba
longe do lúcido,
a razão-de-cego
puro-tato.

Além da alma,
viajem do corpo
pelo corpo
de outrém.

É onde se perde.
E ganha mais que o próprio,
reganha todos os sentidos.

Conotação versante-dançante da palavra
- subjetivação total da mente sinestésica.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Pesadelo.

Daqui de cima tudo parece ironicamente mais claro.
O alto. O fim das papilas que são dor.
A droga que extasia o tempo nessa noite fria.
Mergulhado com os olhos numa meia-lua que dá as costas ao mundo.

A voz sonolenta do telefone não acolhe.
As janelas esparsadamente acesas dos apartamentos da cidade
riem debochosamente da uma aflição.
Sádica, a luminosidade de um deus que não existe.

Inclino-me prontamente para o mal da madrugada.
Uma brecha entre a anestesia do cômodo e a dificuldade de ação.
Sensação de vida morta!

Esse é o primeiro sonho consciente
de uma enxurrada, que atravessa desbancando por onde passa,
casas e morros e palavras inteiras.
Vai sujando todos os caminhos
com o rastro das minhas mãos sujas de sangue.

Desço o telhado para o desfecho da noite,
Deslumbro a lua, o céu, a dor,
Grito sozinho na cidade desmaiada em desvario.
Mas não consigo acordar.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Farol amarelo.

É tarde pra uma segunda-feira.
Caminho. Pela história de tudo
A construção dessa Avenida
Ou dessa boate que frequentava aos 15.
Jazem sobre a superfície irregular do mundo.

É sem-forma
O espaço abstrato da fôrma
Onde se modelam meus pensamentos.
E estes surgem de um papelzinho amassado
Que tiro do bolso da calça
Nessa segunda-feira de madrugada.

Tudo tem sua história.
E a minha se faz, em meio à derrotas Pírricas
É um exagero. Vivo sempre intensamente.
Das penas que me agradam
E das chuvas que me banham.

É só um farol amarelo.
Onde não se sabe se vai ou se espera
É só metade do caminho...

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Rascunho salvo at:

Dialetizando o enigmático da língua.

Please save me! O mundo está drowning, nos afogando...

Sufocando o que resta, do cérebro.
Brainstorm...

I want to scream, mas não consigo.

Misturando o útil ao agradável.

Problematizando o futuro...

O que restará de nós? Ou melhor, who?

Não há tradução para este tipo de pecado.

Ne pas de problème.

domingo, 16 de novembro de 2008

Louco mover

É esse som que me locomove.
Som de loucura, de trem, de avião;

O som dos loucos que se movem
Quando ninguém mais tem esse direito,
Só cavamos mais fundo na cidade.

É tudo mentira nesse formigueiro,
Contadas em cédulas de R$10.

E esquecemos da pele,
Dos olhares que se desencontram,
E ficam divididos pelas gotículas de chuva
Que escorrem pelas janelas dos ônibus.

Embaçam os faróis de trânsito
Que piscam a teoria do caos
Para motoristas que não mais se enxergam.

Mas algum dia a cidade se revolta.
Eu espero...

domingo, 9 de novembro de 2008

Cinza

O real e o não real da arte
A palavra. Subjetividade.
Somos todos subversivos.

Não atendo telefonemas.
Nem respondo cartas.
Num palco me resolvo...

Tenho levitado algumas vezes.
É o sangue que tem corrido mais rápido.
É o córrego de lágrimas.

Quem dá sentido pras coisas somos nós.
Queimo papéis. Não são pra mim...
Faço o mundo girar mais devagar.

Ainda gosto de subir em árvores...

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Eco mudo.

O eco ecoa seco.
surdo o eco preto soa
seco, surdo, mudo

Ecoa secamente o eco seco cortante
seca e asfixia ainda mais a garganta
há muito tempo seca e cerrada

O eco de tão seco não ecoa
seca a palavra cai pesada
na superfície enganada do papel seco

Por quais paredes de qual caverna se esconde o eco
que acaricia os prazeres do tempo
com suas mãos de cascalho

eco.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Ansiedade de lua.

Recurso de halo
Lua de fel
Insólitos sonhos e poemas
De conversas que começam e terminam em nada.

Pleitos vazios de sim e de não
Litígio sobre o amor
E de como nos deixamos afetar
Pela sensível barreira da distância

Habitante da pronfunda complexidade de ser humano
Devaneando sobre a complexa profundeza de amar

Engulo a madrugada regada de lágrimas
Que afogam lembranças de prazer e gozo
E guardo estes anseios que me sacodem até a alma.

Esclarecimento

Recessão! O mundo surta calamidades econômicas, ambientais, sociais.
Caminhamos contra a parede (?)
Tamanho livro, peso, humano.
O asfalto nunca pesou tanto... Mas o movimento se sobrepõe ao tempo.

O ritmado compasso relógio
Marca o passo marca-passo do cotidiano da cidade doente
Que atinge fatalmente o peito ensanguentado
A tiro de bala de arma de fogo das favelas
Complexo reflexo da desorganisação social.

E continuamos esperando...

Até quando?
Na História está a força das divertidas derrotas...
E que fique claro que não tememos o que não nos é natural.
Porque ainda é proibido proibir, e tudo o que é pessoal continua sendo político!

A dedicação se volta, hoje, se não para trazer o sorriso de volta para a humanidade
O sorriso de quem o procura. Pois sempre estará aí, o ar que nos atiça a chama da vida.
E temos o fogo para queimarmos quantas bandeiras forem precisas.
E há paralelepípedos para barricadas. E há muita gaze para o sangue...

O que me intriga é se há ainda alguma dúvida, ou se tampouco faltam motivos,
Para acreditar que o Mundo está girando ao contrário do planeta...

Carros...

Vaga-lumes brancos do tráfego
de linho e de máquina,
da pura invenção do homem
em sombra de som
e amplificação do todo.

Ronronar de combustão imediata
pistão que explode em seu tempo de milésimo
em sobra da mais perfeita precisão.

Desloca-se a insignificante fragilidade humana...

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Manhãs e mais.

Nada mais,
do que um poeta mergulhado em si
- num seu profundo ócio criativo -
contempla tanto além
de rosas findadas ao seu objetivo final, de murchar.

Muito mais,
do que uma textura matiz e suave
que absvorve para si toda luz em cor
e atravessa com infinito poder
uma íris distraída.

Sem mais,
existem palavras. E o que antes era cor, luz,
ou imaginação, ou pura ternura,
ocupa demais um coração,
e por isso tem necessidade de transbordar.

E jamais aquela rosa,
dotada da pura e única magia da existência,
será vista como apenas uma rosa.
Mas como uma colorida e intensa
e necessária tecedora de manhãs e poemas.

domingo, 12 de outubro de 2008

Madrugada.

Dado o poema como um bloco de mármore a ser esculpido.
O poeta usa a língua como sua ferramenta.

Num canto solto moderado
reflexivo compulsório da realidade moral.
É a verdade que o assusta. É o pensar o falar o resentir.
É o resignificado da coisa.
Seu céu é um espelho
e o poema o além.

O fundo verde emparedado que o cerca
porta-berimbau, pau, porta-chocalho
sacode o mundo chão, tapete torcido pelo passo
apressado, embriagado de incenso e perfume e saudade.

Potência em watt do mundo falando ao mesmo tempo
não o esquecerão, quando tudo for mais belo.
Uma simples estante suporta um breve conhecimento de todas as coisas.
Leciona maldade e alegria, alienado.

Já se foi o tempo dos sinais, é madrugada.
Volta no centro da cidade vazio musicada por Tchembo
num mundo de fragmentados desencantos.

Os pingos da chuva suavisam a densa madrugada
e encobrem suas fantasiosas quimeras fugidas
que continuam pensando os eternos filósofos que ninguém nunca vai ouvir falar.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Direito

Mais um dia se passa...

Mais uma cidadania passa.
Mais uma cidade.
Mais uma.
Mais uma.

Mais um cidadão passa.
Mais um direito.
Direito.
Direto.

Envoltos em suor e sono,
as engrenagens da cidade
exercem seu último direito:
apaga a luz e dorme, apaga a luz e dorme, apaga a luz e some.

Ainda há...!

Peço-me a mim mesmo para escrever.
Como um poeta fluido, me desvanecer na brancura do papel.
Deixar tudo chover. E enfim desgastar a minha angústia,
agora então vivida.

Angústia com o real, com o que criamos, que asfixia, por saber que é nosso.
Com a teoria, que por assim ser, não é prática.
E mais tudo o que envolve essa fastidiosa noção

Num embalo festivo,
alço velas em direção a poesia, que ainda se forma em nuvem, acumula.
Que troveja, fugente, se mostrando de longe. Empunhando gravemente a alegria de toda gente.
Que ainda há de vingar...

E há de destruir tudo o que sufoca.
Há de diluir o desprezo, a náusea, o vômito.
Há de enfrentar a tediosa inércia que faz girar o planeta sob a sombra escandalosa do lucro!
E altivamente declarar a definitiva bancarrota do sofrimento...
Acabar com a angústia.
Que ainda há de findar...

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Fluição.

Tenho alguns surtos, de alguns instantes
- espero que durem -
em que tudo se encaixa.
E escrevo sem pensar sobre todas as coisas.

Esqueço-me do que é coesão, sentido.
O que é continuidade? Isso aqui é emoção!
Canto, e tudo me agrada.
Só me falta sair saltitando a colher margaridas...

Nem a chuva, nem a hora - porque é tarde -
interrompem o processo de (des)criação nesses instantes.
Por isso não duram...Quanta insensibilidade ao meio!
Não sou assim...mas estou sendo. E estou gostando.

São surtos, são momentos
- apaixonantes de mim -
A poesia se faz, e brotam de todos os lados os poemas imaginativos.
O pensamento se esvai, e tudo flui...
A arte, o surto, o tempo e a vida.

Instantes.

Quero todas as palavras.
Porque hoje estou livre de crises.
A realidade não me assusta mais. E que isso dure pelo menos alguns instantes...
Hoje é tudo marasmo, paradeiro, pique-pique, alegria alegria.

Quero tudo o que é palavra. Quero vozes.
Quero toda a liberdade do mundo - se é que tal coisa exista.
Se não existir, quero eu como sou. Porque sou livre. Pelo menos nesses instantes...
Porque sou bicho, homem, cavalo, circo, céu e vida. Sou mais arte.

As palavras me querem.
Sussurram aos meus ouvidos, tanto que não consigo ouvi-las.
De tantas, me perco na escolha - porque já sou ruim nisso.
E escolho todas. Tudo que é som, signo, cor, sentimento.

Pois nunca fui tão cubista e estive tanto fora de um cubo...
Porque é tudo forma, é tudo palavra. E é tudo língua, porque é tudo pensamento.
E é tudo ego, alterego e superego. E nada de trio é tão chato.
Nada que enquadre é tão chato. Fora matemática...

Porque os números são palavras, quando quero que sejam.
Dois, sete, oito dezoito. E fiquem de lado os cálculos, me perdoem.
Hoje só quero palavras. E que sejam de aniversário vinte e seis de maio,
ou de festas do eu inteiro de branco trinta e um de dezembro. De todos os anos...

Hoje, eu já disse. Quero todas as palavras, porque elas me querem.
Quero todas as palavras livres, que façam a farra, sem forma cor ou conteúdo,
saltitando pelas mentes brilhantes, fezendo cabeças, poses, imagens, frutos, flores, folhas e rumos...

(Re)falado.

Já não compreendo mais
todo esse melodrama, toda prosa e poesia
e toda essa arte concebida sem vida.

Sejamos cubistas. Sejamos dadaístas.
Inventores do nosso próprio descaso.
Recaso. Inventores do nosso próprio falado.

Digo olá a forma. Brinco.
Brinco e flerto com ela,
que me desdiz pela fresta da virtualidade do monitor.

Cadê aqui a seta?
se (seta) ser (seta) só (seta)...
Refaço. Tudo envolto em círculo.

Libertemos o nosso cheiro de circo.
Nosso bafo de animal selvagem enjaulado,
com a cabeça do domador dentro da boca aberta...

É só querer.
A cabeça está aí para quem quiser usar.
A nossa e a de outros. Mas a arte. Há arte.
Tudo num círculo só.

Assim mesmo.

Sei que existem pensamentos inconclusos,
e espaço para que se construam.

Sei que existe loucura
no desabafo do espaço que se expande.

Sei que fico meio perdido,
e me confundo em minha própria imensidão.

E para que venho, será outra vida
refletindo os mesmos começos?

As mesmas pessoas
repetindo os mesmos erros?

Assim sou eu mesmo.
Mesmo que não saiba quem sou...

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Esperança

Jogo sem pensar
As vezes me iludindo cegamente. Acredito.
Pelo menos conheço a minha própria loucura.

Sou humano,
e como tal, passível de erros.
Um grande nada de matéria,
carregado de complexidade e contradições.

Hoje eu penso no futuro, e espero.
Aguardo ansiosamente pelo sol de amanhã, pois agora fazem de tudo noite.
Cada gole da garrafa que eu bebo me sorve lentamente,
com certeza me aproveitando muito mais do que eu a ela.

O vinho, como sabe ser boa companhia,
compreende. E me envolve em acidez.
E faz bem quando amarga a minha boca,
quando tudo a volta é amargura. E ninguém é menos amargo.

Não quero soar depressivo. Não o sou.
As palavras são. Quando tomadas pela razão.

E a razão, como dizem, é indubitável:
ninguém se opõe a ela.
Então, nesse caminho certeiro para a verdade absoluta,
busco a luz, procuro sair dessa amarga ilusão
de que se esperarmos a flor brotará do asfalto sozinha.

Ou pelo menos tento crer, que se ela brotar,
ainda há esperança.
Ainda há esperança de que os que movem esse fluxo de metal e aço,
aqueles que fazem a noite,
sejam sábios o suficiente e abram espaço
para a deixar crescer.