segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Mãos e vozes

denuncio radical o profundo das coisas
denuncio lírico, o real valor das coisas
denuncio superficialmente a moral das coisas

a volta dolorosa como parto
ou pranto, o que é que somos
quando animais, quando homens
quando temos o poder nas mãos
que pena, que pena

dar algo tão poderoso assim
e enfiar, num gesto impositivo, senão,
na cabeça humana, a inteligência,
que é como desperdício

« gosto da iluminação amarela do meu quarto
gosto dos tons amarelos que quebram o escuro da noite
como as palavras quebram a matéria do silêncio »

enquanto ia embora vi dois policiais armados
parando e revistando e indagando e enfiando e perguntando e calando, como donos,
um menino negro de bicicleta na chuva, como se fosse,
e choquei-me como se não fosse cena comum

enquanto via jornais vi um trator atropelando
casas de papelão de cem famílias sem-terra
porque estavam em território - inutilizado - de uma grande empresa de latifúndio
dessas qualquer que ganham e se vão
as famílias ficam, os feridos ficam

enquanto andava pelo centro da cidade
vi meninos mais novos que meninos
se drogando roubando sobrevivendo dormindo com cobertores de lama pisoteada
enquanto andava pelo centro da cidade como guerra

vi e me calei
vi e não pude fazer nada
calado e preso por mãos e vozes que não se mostram não se vêem e não se escutam
mas se mostram, se vêem e se escutam

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