segunda-feira, 26 de abril de 2010

mar e sonhos

ainda que mal
poetar a dor da madrugada
em versos tênues e sombreados
pelas palavras da minha própria dor

sinto que choro que sonho
que sonho que choro que
a lágrima do rosto que desce que
rola que sonha que rola
tanto rola que tá-que-não-tá
nas árvores e andorinhas da praia sem fim

antiga floresta de espaços vazios
hoje lenha, ainda fogueira, sendo cinzas
e cinzas só, que não são tão cinzas porque
ainda há de ser cor outra que não tão na
memória alarde, arde em brisa morna
do sol gelado sobre as marolas do mar
inusitado, visito suas sombras mais densas mais
fundas como um espírito único, dos quatro ventos
que te afagam as cristas como cabelos profundos
cabelos que envolvem toda a terra fora cinza
fora cores que tão vida como a vida
vivida e desvivida eternamente na imensidão
das infinitudes paralelas renascenças e retornos
repletos de outros dos outros que se perdem
nos buracos negros antigos do mar

o mar perde-se em sonhos que sonham
lágrimas e só

domingo, 25 de abril de 2010

Guardarei a vontade para depois.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Poema-minuto
uma pírula de sorriso
na inércia do dia-a-dia.

Morelli disse, como um mote, no jogar da Rayuela, que não existe causa plausível ou mesmo aceitável para o não fazer estático da madrugada na cidade, na inércia das marolas no mar vazio e na concepção astronômica de zoroastros e zodíacos e zaratustras inventados sempre-sempre novamente. - Quem é Morelli afinal? - inventor da interrogação de Cortázar e do estupendo diálogo entre o asfalto e as solas descalças dos pés no pular da amarelinha. Seria como refazer-me uma vez após outras na dança despretenciosa das luas a cada semana, nas noites frias em pleno verão e nas cachoeiras incoerentes da sansibilidade.

O processo não é nada
                                   O estímulo é tudo.
Birra modernista
                                   Resignificação do momento
Desconstrução
                                   Ordenada.


- Quando seguro sua cabeça assim entre o berço das minhas mãos...
Ato e significado.

fome.

sábado, 3 de abril de 2010

Meu ser e o seu

Queria estar por dentro do riso que a faz riscar as paredes e acender fogueiras com pedras ancestrais, dentro do sorriso macio que me desce a garganta como lubrifico, que massageia o resto todo do meu corpo ancestral, da idade da pedra, do fogo, do ar... Queria ser muitas personalidades em uma pra fazê-la sentir todos os sentidos de uma vez e rolar sobre o pavio de pólvora do cotidiano para senti-la esquecer que o mundo gira a mais de mil quilômetros por hora e que dependemos de poucos graus de inclinação no eixo da terra para existirmos, que além do nosso biológico existe um corpo que cicatriza feridas invisíveis e uma cultura de faca cega e fé amolada. Somos nós e a nossa conjuntura. O humano além mito. Queria ser a animização do seu dia a dia, como um totem politeísta da sua consagrada consciência coletiva, concreta e existencial, tanto sartre pra sua rotina, na fenomenologia da sua retina, um quadro feito de pincel e sopro. Ser os filmes argentinos que a fazem chorar. Quero arrancar todos as tomadas da minha casa e fazê-las de cartão de visitas coloridos e inesquecíveis, de experiência sublime. Quero balançar com você nos ônibus como neruda no seu mar de cimento e gesso. Quero aumentar a quantidade dos cílios para jogarmos absolutamente e pedir sempre que me ame te sacie me mergulhe te acalme me deseje te rebele. Quero a contestação em pessoa para criar sempre as realidades que preciso para fugir de mim de nós e de todos.

sobre o erro da história

Começa a noite como um degelo nu e lúdico, quase impuro como a lua cheia coberta de nuvens que se arrastam sutis, como a silhueta de uma sombra do fim de março, confuso outono brasileiro, confusos dias brasileiros, confuso povo brasileiro.
- que sea otro, otro sexo, otra vida, otras personas, que no seas nadie o una minuscula fagulha de todas las cosas que volvense polvo durante esa y otras existencias. Os astros e os signos assinalam a voz de um imperador passado ou de um motociclista que foi atropelado hoje na minha frente e eu segui como se nada tivesse acontecido enquanto mexiam nele e no pescoço dele, como duas identidades que se cruzam inevitavelmente no espaço-tempo da cultura onde o progresso é mera idealização da mente moderna. Enquanto eu mijava no mar e andava de ônibus e falava palavrões por ter topado com o pé no chão e as pessoas faziam coisas inesperadas e eu conheci uma bailarina de um programa de tv antigo e mijava no ônibus e caia no mar e namorava e amava e aguardava o mundo se tornar a merda que se aproxima nós ríamos da dança contemporânea e ríamos do nosso tempo até sermos quase expulsos do teatro, como foi bom, ríamos do constrangimento e do riso e do balé e da falta de música e rítmo e circunstância daquilo, ríamos por sermos felizes e por poder rir de tudo que é realidade de certa forma na insignificância da cidade. < Il a fait des rondes avec de cigarette et il a alumée tout la poèsie que ronde la vie et les mots de une phrase sans sens. Sans sens il a fait de rondes avec de fumée >
Uma nuvem bêbada - boracha - que passa sutil pela noite, distante e analítica, como terapêutica, longe de harmoniosa, distante, bêbada, reprimindo o desenvolver sensual das conversas de roda no fim da madrugada. Seria uma fogueira cintilante como uma prenda dos quatro elementos reunidos num só que sobrevive lento, como uma dança anarquista pairando sobre os cabelos das mulheres incendeia toda lua toda terra toda filosofia conceitual do corpo e dos quatro espíritos, toda fumaça que espairece, toda comida que sobra e tanto falta. Sou um homem que vende água do rio mais perto no trânsito para sustentar minha família, não tenho tempo de sentir culpa. A culpa selvagem de uma coletividade anônima, não indentitária, não hereditária que morreu na história.
O ser-humano poderia ter dado certo, algum dia, mas o seu e o meu caminho se perderam na imensa solidão do infinito.