quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Comemoração

Eu e um inseto de luz, o mesmo de todas as noites, único disposto a enfrentar o calor insone da lamparina da minha rua, sobre a cidade do silêncio, possui e desperdiça os Kandinskys, Monets e Van Goghs da madrugada, a lua minguando seus mistérios como enigmas, esfinge no deserto da noite, clareando os olhos da minha vontade e do meu corpo, do meu nome e da minha carne, porque a lua minguante tem como beleza a misteriosidade dos seus segredos. Dessa vez quase me decido por falar com o vôo da luz, que talvez tenha coisas interessantes para contar sobre o seu dia, ele que me acompanha invariável nas noites em que olho a cidade do telhado. Hoje vim preparado, como num acampamento, muni-me de toda a técnica, hoje sou o telhado. A cidade iluminada paradoxalmente dorme espessa sobre os desejos leves da rua. E as estrelas brilham numa imobilidade débil, piscando solúveis no lençol escuro que cobre as revoluções dos homens, a música desenhada em todo o século XIX, a inquietação da juventude e as próprias estrelas. Todas as conquistas são válidas com mãos para tremer com a dela, a minha treme até agora. A nuvem devorava a lua antes de desfazer-se. A lua sobrepõe-se agora nua e semioculta, em sua semiótica inabalável. Isso me parece como uma comemoração. O inseto de luz entrecortando seus feixes, nadando o ar, refletindo a luz nos viéses dos olhares de tempo em tempo num padrão incompreensível de farol. O inseto permeando o mundo, existindo insignificantemente ao meu lado e alheio à tudo que o cerca, alheio ao tempo e ao sub-tempo e ao sub-sub-tempo, desnudando o momento, separando a cidade numa sobreposição de imagens e sentidos e significados, como se cada prédio e cada luz fossem desenhadas em planos separados que se sobrepusessem dando-nos a idéia de realidade. Como se eu pudesse parar agora e nesse momento se resumiria diante de mim alguma parte inconcebível da natureza do gênero humano ou da inocência infantil. É melhor salvar o pensamento materializado antes que ele se perca na efemeridade do tempo como demonstra inútil o breve bater de asas do inseto de luz emergido na fumaça da criação e perfurando indefinidamente os horizontes planos do seu entorno, transformando as estrelas a noite os mistérios a pobreza a miséria em insignificantes molduras para o seu existir. O plano silencia profundamente num ante-despertar, do não que é o dormir. Mesmo o vento se cala obscuramente para ser somente o soprar e o soprar que são asas e no comemorar e o comemorar que é a luz da lua. Seria tão mais nítido o não ver do que ver as pequenas partes do nada que nunca se veria e que são as minúsculas fontes para embalar os poucos do tudo numa inesquecível textura de duna ou gosto de beijo ou som do cello na op. 89 de Fauré.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

En el princípio fue tomando actitudes drásticas como no atender a lo teléfono y dejar crecer el pelo para tornarse otro que no él mismo, baseado nas crenças e nos costumbres sociales de que é possível ser quem se queira ou alguém que não exista para preencher as vazias lacunas de pessoas idealizadas nas mentes alheias mas nunca de fato desarolladas num âmbito que quiçá possa ser chamado de concreto.
« as marteladas, sempre martelando esse maldito vizinho! » As marteladas atravessavam a sua parede a sua cabeça as suas idéias. A ansiedade insomne dava voltas-e-voltas-e a noite fazia um calor largo que aumentava a demora do tempo passar.
Já estamos num tempo tão novo, tão inacessível, quase distante do próprio tempo, que se devora vorazmente, invariavelmente...
Os minutos blues « Meet me in the botton when we both are there » desvairados, a angústia da espera, sempre espera, esperando-esperando, enquanto o tempo se devora sem chegar a tocar-nos. E a vida se desenha como um Pollock. E a vida se concretiza aleatória, as idas, os amigos, a arte, o sexo, o álcool todo o álcool que não bebemos, toda a música que nunca escutaremos.
« o bandido que sabia latim, escondemo-nos em baixo de seu bigode em busca da sua poesia... »
Escrever sem nunca ser lido, a opinião indestrutível do caos, a irrucusável maneira de se expressar ante a matéria ontológica da poesia e dos romances. Quem diria que me tornaria metafísico antes dos 40 anos...
E me é possível escrever sem o uso do papel e da caneta, sem o barulho insône das máquinas de escrever, sem que o próprio escrever exista. O café foi, negro e quente,  nada além e sem intenção nenhuma foi o buraco-negro do dia, mergulhado numa xícara branca que já não há, com pequenas rachaduras que desfazem a integridade do seu corpo e se transformam ásperas num esconderijo do tempo, flutua mas pesa cada vez mais conforme se esvazia, e faz-nos meditar sobre todo o significado da arte e do ato, sobrepondo-se à sua efemeridade uma existência ainda mais distante, se refaz em receita básica para o cotidiano insignificante de um inseto ou de um simples ramo de grama. O sujo café brasileiro, detenho-me pensando se não deveríamos criar  movimentos sociais só para melhorar a qualidade do nosso café « oro negro, estraño burgués » But the English will build you bridges and trains and happiness.
Qual o sentido de páginas e páginas paridas sem finalidade? A que devem os homens para suportarem um café tão ruim vivendo no país que o produz? A que vale a arte pendurada sobre minha cabeça forrando o teto as paredes o chão se ninguém é transformado sequer sentem-na sequer olham-na? Como seriam meus personagens se o acaso viesse a dá-los vida?

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

(Toulousse-Lautrec Loïe Fuller in "Dance of the Veils" at the Folies-Bergère)

Sua distância, sua tara, sua casa é a rua ou um cabaré, pincelado fino ou de escuros traços sensuais, a descoberta do tato foi seu maior conforto, sem a máscara do tempo, como um romântico carnavalesco, olhar o mundo através de um binóculo de ópera. O ballet dançante que é Paris, das janelas arredondadas pelos sonhos e pelo suor quente dos quartos, tudo coberto pelo seu antigo casaco de feltro... Qualquer movimento é a sua fonte, desde que para amarrar espartilhos, etc.

Do telhado

o tempo passa tão rápido
que nem parece que entrei
e o tempo não passou que passou que passou...

o meu telhado tem forma de mão
pra quem está vendo as nuvens
ela fecha e acolhe abrigo pro passar do tempo

que a noite é outro dia
pr'um inseto de luz
e eu que estamos acordados
na penumbra chamada fumaça da cidade

as nuvens andam lá em cima
narram histórias d'outra terra
e se disfarçam em cor

a cidade quieta
que fazem dela
um imenso colchão

converso
com o verso
com verso

O que sobra

o que sobra

des
cons
t

i

o verbo

poesia
verso caro
a preço de lágrimas
de tinta
vermelha
como o do quadro
do sorriso triste

não conheço a culpa
que sinto
culpa
que choro
uma tinta entalada
na dor da garganta
como um soluço
seco
de culpa
seca

desculpa-me se a prosa
não me cai bem
mas o verso
me escolhe
como seu amante
sou seu meio de vida
poeta triste poeta
como é necessário
às vezes todas
as vezes é necessário
que seja