terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Olhar pra você.

É um abismo isso,
de arrebatado-deslumbro
em ponta de prancha-tábua de navio-pirata.
Dá de - enlevado desvario -
querer me jogar de cabeça,
e dá de dar medo ao mesmo tempo.

Uma poça de cabeça-virada
em que a água não escorre
nem escoa, e mesmo assim
molha o meu mundo e além.

É um não-sei-o-quê,
de dar nó e entrelaçar
todos os estilos de um mesmo poeta,
e dele reinventar muitos outros.

Afunda a lua e o sono,
profundo gozo de rima brincalhona,
em olhar ofusque
e sorriso fascínio,
de se perder em seu êxtase.

É todo um poema de pé-virado
onde tudo perde sentido e ganha
a todo momento, um deslumbre, um viés,
de enleve respiro. É um suspiro à sua frente.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Noite de inverno.

As palavras se estratificam como nuvens num céu de lua cheia,
conglomerando gotículas de concepções e significados
na tela da mente que desmente idéias dementes,
deveramente simétricas à cadência de estrelas e pedidos.

Nesse céu cambeiam tons e tons noturnos
de azul-escuro-filosófico e azul-claro-meditativo
de sutil gradação, pincelados em aquarela desbotada
da sobretela de vapor d'água, justaposto ao imprevisto cenário:

A Lua, inteira e maciça, de inquietas formas a se diversar,
delineia silhueta zefíria, onde não se sabe seu verdadeiro alcance,
e conversa com a noite, em arcano namoro. De lenta e vaga
não deixa claro seus reais escopos, e permanece aprazível,
sempre bela, esperando cortejo, e seu devido prestígio.

As estrelas condizem: à seu chamego, fazem extravagante declaro,
nascem e renascem, discutem e batalham, pelejam e se ofendem
todas de suas devidas distâncias, de modo que quando elogio atinge destino,
por gênero de excêntrico acaso, passaram a vida inteira acreditando amor incorrespondido, pois que já inexistem.

Embaixo, sorrateira, dorme a inquieta cidade, apreensiva numa noite de sono,
intrigantemente desapressada, harmoniza-se em cardinale conjunto,
de aprazível concerto:
Van Gogh deslumbra uma noite de inverno em pleno verão arrebatado.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Poema palavra.

P O E M A
O
E
M
A

Circunstância letrada da vida...

...momento preso entre os dedos de cada palavrA

V I D A
I
D
A

Poemática da arte existir...

...viver é retirar de cada momento a sua poesiA

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Não cotidiano.

Dois jovens acordaram com um desejo estranho um dia:
Queriam tomar sorvete.
Mas que estranho desejo para se mudar o cotidiano da cidade...
Seria como lamber as ruelas frias e cinzas da grande metrópole.

Não há sorveteria, não há sorvete.
É como se a caça e o caçador desentendessem
como funciona seus respectivos papéis.

Aonde se esconderia vertiginoso desejo?
Por baixo do asfalto ou por trás das infindas mercadorias?
Teria escorrido bueiro abaixo,
para os profundos do cemitério de concreto?

Acha-se de tudo no enorme empório...
Vontades criadas, anseios divulgados,
ambições incabíveis e pretensões idealizadas.

Mas naquele dia foi impossível achar um simples sorvete.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Que falta faz Bacamarte, aqui na Terra.

Libertaram os poetas! salve-se quem puder!
é um deus-nos-acuda e ainda um sei lá:
eles abrolham das praças, brotam do chão e do nada,
chovem em dia de sol - quando ninguém está de guarda-chuva -
aportam nas portas e ancoram nos portos
apontam e despontam e assim procedem,
dominam a cidade e tomam o governo,
retiram os cartazes e queimam as bandeiras.

O povo, em caótica, decretada calamidade, exclama:
- "Nada tem sabor para eles! ingratos sem raça!
despregam e relegam, pelegam injustos!
essa gente astuta e capciosa! esses tais de poetas!
são loucos! loucos psicopatas de excêntre-recesso!"

Estabelece-se a bancarrota humana, a ruína:
- "Nós, poetas, determinamos a partir desta e de agora,
que o mundo parou! não haverão mais Estados, não haverão mais fronteiras,
não haverão mais nomenclaturas! A modo que tudo é um e de um se forma o todo.
É o fim dos objetos e das coisas, dos artefatos e artifícios.
Serão fechadas todas as congruências, serão fechadas todas as conveniências!
Viveremos só do que nos cabe nas palmas das mãos.
A partir desta e de agora: ninguém é poeta e todos serão;
e seremos o que sempre quisemos ser..."

E foram "ohs" e "ahs" para todos os lados; mais exclamações:
- "Como?! Qual?! Isso é absurdo...!"

Pois que assim seja, porque nesse poema, os poetas são eu, e o poema ainda mais meu:
O que não dura, domínio e predicado, descai, se apaga e desbota,
abrandam-se e se extinguem, são expungidos lentamente,
pelos novos desígnios de idealidade;
- Há tempos se esqueceu o que é posse,
e o ser humano sabe até amar melhor. -
Os países todos convergem para um só, e enfim, o mundo!
Aprendeu-se tolerância e respeito, e melhor ainda,
aprendeu-se a aprender o outro; apronta-se humanidade.

Que finda em completa revolução, de manifesto versado,
regida poesia, poemática, em demasiada poematização:
- "E no fim, não eram tão loucos assim, os poetas..."

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Zunido.

Deito-me a zunir. É o som que traz a insônia,
enquanto zurra o silêncio da cidade entorpecida:
"ZZZZZZ"
Zumbe, rezuna e ainda se apruma,
para não me deixar dormir:
"ZZZZZZ"

É a auditiva vida de zumbido zóico:

Zunindo e zunzunando desmedido zuruó
- zurde-zurrada-zureta -
com afincado zimbo de Zês zombeirões.

Zangarreia-zangarilho, zarpa zaranzando
zarabataneando o sono, o zêlo e as zeugmas
em som zueira de Zê zebrado...

Zazaneia essa zabumba zicada, e enzarelha
- zepelim-zigomorfo-zigue-zague-zão-zão -
zarro de zoísta zombaria.

Zoantropia pior que zoada de zodíaco e zinziar de cigarra tonta,
sempre zumbindo, em zarro.

Mas a cidade, que dorme zapeira,
se esquece até do alfabeto, e entoa,
em zuído zumbaieiro, zunido uníssono:
"ZZZZZZ"

Metapoema.

O que chama, renasce, reluz e reclama
é o carro que escorrega;
é a alma que desfrega;
é o coração que desprega;
...esse unívoco jouer de palavras,
que é a minha poesia.

Faz sentido e desfaz, de própria-propriedade por ser apenas.
Mas se completa: Reluta por si,
abarrotada de coalhados rumos;
E também me completa, sim senhor:
Vincula opinião e preferência,
conhecido e experimentado
e notado e apercebido.

Contém, encerra, inclui e desinclui,
e apresenta todos significados e nenhum.
Leia e releia: pois que verá o que busca:
Um insignificante jogo palavreado, sobrenavegando espaço em branco;
Ou então buliçosos contingentes, versáteis
de solução analítica, dilateando intelecto;

Equivale ao significado de consistir, como consiste em equivaler.
E fica e é e está. E já não é mais.
Sou eu ou sujeito-qualquer, outro, que grita de lá,
e opina, e se diz e rediz e desdiz,
e já não sabe mais o que sabia dantes.
Não por ser bicho do mato,
mas bicho bicho mesmo, como outro qualquer bicho.
Que apenas é, e é.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Beijo

Beijo. Semântica do desejo
de um acúmulo real ou fracionado de saudade
e mais desejo. Outro beijo.
Chove-bota-coloca, e deposita e canta
mais uma proposta-proporção,
e ainda uma porção de mais e mais beijos.

E mais me cabe toda a vida no seguinte momento,
de desencosta de lábio e de abertura de olho,
que calha ainda de ser verdade e não sonho,
a miscigenação completa de sinfonias e poemas
que palpitam latejantes em folia-e-dança
compondo odes de impossível e contígua absorção.

É esse seu olhar que me assenta.
Em verdade, me acosta e recosta,
e encosta e inquieta. Desse olhar profundo
em que se perdem, denso, as todas galáxias de todos os universos.
E que isso representem em todo um único homem - mais ainda, eu.
Que, fundo, se abafa, e recala e não se cabe de consumir
d'onde submergem invasões de um sem fim de sensibilidade.
É ainda um bel-prazer, de infinita veleidade de aspiração e gosto;

Desse reparo-contemplado, salta afável, custoso brió.
E que te custa mostrar, cheiosa de mistério
coisa de nenhum segredo - porque desvendo e descalo antecipadamente.
Sussurro de sigiloso enigma, paira silêncio confidencioso,
sobre clima dezembreiro de emblemático calor e mais mistério,
em pouca luz e vento, corre um deitoso cochicho, que me aborda e abrange
e aconchega e abriga você como nunca tão perto.

Têm poder as palavras; e mais ainda as de Eros;
(porque é deus e porque é poderoso - e porque somos frágeis a qualquer cupido).
Quando deixa ser vista e quando viajam de você os seus demais signos
se emana e flui tudo o que a Química ainda não explica.
Se epiloga, em absurda capacidade de soma,
um absorto relicário de mais de mundos de sensações
que se expressam em três vocábulos,
que talvez traduzissem mais que esse inteiro poema.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Gana propaganda.

Um vazio buraco de nada
me separa do resto da humanidade;

Enfurnas açoite o restolho do mundo
ranca olho ranca pó ranca tudo e nada
rancorosamente voltado pra si
e nem sequer pensam
quando escutam o estralo do açoite
chiqueirador-chiqueirá, são chiqueirados
e nem sabem; o rebenque-vergasta
está na mão de todos e de nenhum.

Se auto-chibateiam e lêem auto-ajuda,
pois precisam é da achega do interno!
refulgassa a desgraça na qual auto-imposta se acha
fixa-imposição interna, do mundo da pressão da loucura
Oh, deus, quanta riamba.
Não há amparo no vale-desamparado do mundo.

Melancolias mercadorias e ninguém de branco na rua.
é a receita para o fim. Cada altiva esquina resguarda o horror cominitivo
propaganda alvitricada em vidrinhos lançados ao mar,
e o povo estático-exaltado se deslumbra fascinado
Tudo rampa, pampa, tudo enlevo, da mais gorda mentira
Engrossa posta, rolda-molda o próprio chicote
que encalabra a vida. Reluz antipático o valor do coice.

E nada disso está no "outdoor" da propaganda.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Piola de lua.

A lua gritava sigilosamente,
repousando seu sorriso taciturno
sobre este poema,
trafegado por pernilongos e vaga-lumes
branco-prateados e amarelo-douricados
de todas as origens e destinos e de toda a terra.

Em arrematado cochicho
lançado - de mim pra mim mesmo -
cravelhou-me seu enclave de chave-mistério:
giro, rodopio e regiro, revolvo e torno a girar
sou caco-de-tudo e prova-de-nada
me comprovo por inerente certeza...
É essa a guimba de meu principiado-precipício
em termo em fim: minha liba.

Estrada-fuga de extremada frieza
puá de cegueira-acúlea
bico em pico de povo doente
dor-de-cabeça de tudo o que é gente.
espinho-humano, trago, pico, limite-de-farpa
a cidade se verte em bagana escopo
intento-fito de intuito indigente,
cabo-fenecimento depauperado.
A cidade se verte em ruína.

Ao longe se ilumina sua sina
perece até ao pensar-fenecimento
transpassa o trânsito-óbito
da maquinaria óbvia de avesso sistema.
Extrato-substrato de papel folha
que te aponta e comprova ser mesmo quem é
porque quem é, é - nada abstrato -
e não pode mais ser sem contra-cheque nem prévio-aviso.
Bota, calça e registra seu pé.

Mas a lua lá do alto chameja
chispa-corusca e cintila
e me chama, refulgente
como diriam suas cúmplices estrelas
- amantes-amigas-companheiras -
e de lá se sorri: diz, se articulando:
daqui de fora sentencio:
és um adágio;
Mas eu, cá inteirinha, não tenho rolo de me embaraçar...
Vou continuar brilhando em leso-sabote
Apenas perturbando o infeliz que me notar.