sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Pero eso es el insomnio Klee « a rubbish bin full of bloody paper » translados de poesia numa língua inteira de vogais a e u, somente. Na totalidade breve de um inseto pleno de vôo ou na consumação totalitária de um terremoto. Ua uanga au uaud du cacaua aungu kubu seria uma possível transcrição fonética... Pero eso es el insomnio insecto o vuelo o el terremoto pleno. Salvo algumas ocasiões se sentia condenado à fatal parcialidade dos fatos, na liberdade da passividade, indo ao encontro cego dos prédios cinzas ou de cores ralas e foscas do centros de todas as cidades, por hotéis que sustentam vagos e quase que escapando-los o luxo de outrora, e habitações precárias para proteger minimamente o que sobrou dos poemas e dos papéis rasgados « like a moonlight chest like a moonlight » Sorvia lentamente a madrugada em busca da unidade de sua vida, em busca de vodca, em busca da unidade entre a sua vida e a vodca, em busca de algo que nem sabia bem o que era. Sorvia a madrugada em busca de sua vida. ¡Pero eso es el insomnio de el vodca, es el insomnio de su vida!

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Três prosas para a insônia.

Suspendo o fôlego para adentrar a eternidade de um instante. Beijo-te. E é como amar-te, porque amo-te e o beijo é como a semântica que dá sentido a tudo que não é amor. E é como desenhar infindos pontilhados rabiscos tintas ao ar ao chão ao teto, paredes de Kandinsky nos rodeiam ou tendem ao infinito, a matéria perde seu significante para se tornar significado autoexplicativo com tons de absoluto.

Lá fora venta e chove e faz frio, comparado ao calor das cobertas, mas é verão. O mundo está realmente mudado, e nem ainda temos idade o suficiente para relembrar com propriedade, ou ao menos estilo, dos "velhos tempos". Apenas precariamente nos afirmamos na história, nem temos pegadas sobre o mundo, estamos em uma ou duas fotografias digitalizadas integradas comercializadas, e já nos enganamos e perdemos sentidos que quiçá um dia tivemos. As cobertas dão sensação de útero, sua língua cordão-umbilical salva-me resolve-me abraça-me, num beijo de raiz das terras, que volve-me ao antes, acalma o necessário nervoso dos amanheceres e dos jornais, cala a lágrima vermelha do pôr-do-sol. E pensar que já me esqueci do antes e não vou me lembrar do depois, caso o depois tenha o porque de ser, ou desista de tudo como a melodia de Schoemberg.
« O mundo está realmente mudado, o mundo está mudo »

O que me assusta é a reação das pessoas, nem de compaixão nem de medo, uma reação reação, somente isto, como isto sem aquilo isto isto mesmo como é e tem de ser porque é assim e será. Acho perigoso pensar sobre isso às vezes e me censuro, calado e escondido na trincheira de uma minúscula xícara de café, bem forte e escuro, como as manhãs e os jornais, e também as pessoas. Outras vezes decido gritar, pulo a xícara, o café, as manhãs e os jornais, mas, às vezes não alcanço as pessoas, que não pulam não ficam nem sequer deitam para dormir um sono tão profundo.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Mãos e vozes

denuncio radical o profundo das coisas
denuncio lírico, o real valor das coisas
denuncio superficialmente a moral das coisas

a volta dolorosa como parto
ou pranto, o que é que somos
quando animais, quando homens
quando temos o poder nas mãos
que pena, que pena

dar algo tão poderoso assim
e enfiar, num gesto impositivo, senão,
na cabeça humana, a inteligência,
que é como desperdício

« gosto da iluminação amarela do meu quarto
gosto dos tons amarelos que quebram o escuro da noite
como as palavras quebram a matéria do silêncio »

enquanto ia embora vi dois policiais armados
parando e revistando e indagando e enfiando e perguntando e calando, como donos,
um menino negro de bicicleta na chuva, como se fosse,
e choquei-me como se não fosse cena comum

enquanto via jornais vi um trator atropelando
casas de papelão de cem famílias sem-terra
porque estavam em território - inutilizado - de uma grande empresa de latifúndio
dessas qualquer que ganham e se vão
as famílias ficam, os feridos ficam

enquanto andava pelo centro da cidade
vi meninos mais novos que meninos
se drogando roubando sobrevivendo dormindo com cobertores de lama pisoteada
enquanto andava pelo centro da cidade como guerra

vi e me calei
vi e não pude fazer nada
calado e preso por mãos e vozes que não se mostram não se vêem e não se escutam
mas se mostram, se vêem e se escutam

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Todos usamos camisa-de-força. Para uma dança flutuante, sutil como um toque de noite ou um balanço de jangada, de uma inevitável beleza, que é algo de triste, um sorriso em pírulas cor-de-ressaca ou o depois. Cercados de nuvens espessas, indo-nos, suspiros e lágrimas, a caixa de fósforos no bolso como chocalho de despedida, é fácil perceber a morte dos ritos, que pesam ancestralmente sob o sapato que abandona como lágrimas as pegadas pelo caminho. Despedimo-nos dos seres humanos e do título sapiens na busca pelo outro lado da lua ou o começo do arco-íris, urgente como o princípio e necessário como a loucura, na escolha de qual chegar primeiro, numa igualdade de preferência, num gosto de febre, ardente como um sol do futuro. ¡La vida es una explosión! La vida es una melodía de Schoenberg, perdida en la calle, acostada con un cualquier hombre en el lío de Miró. Lo seinto revoltada y acomodada con el movimiento de rotación y translación del mundo o sobre la metáfora sobre el condición indispensable del acto. Como se fosse uma idéia de suficiente. Mas cava cava cava o ser humano ainda está. Pobre, podre, pobre, pored, prebo, pedro. Até que impensável surge ali uma flor, e rompe o vínculo com o concreto, como poesia pichada, inchada, mas flor é uma flor, uma flor. C'est toujours quelque chose, mais, minable: c'est mon affaire. No movimento de um êxodo, um fluxo espumoso e corcunda e, ademais resignado ou até adestrado para as todas facilitações e aptidões e papéis e ... da alcatéia humana. Reíamos, como rí el cello. Como lloro.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

A última imagem da noite chuvosa, uma xícara de chá ou um patuá abandonado onde guardo todos os meus segredos, esquecidos, desvividos, um acrílico colorido ou um jade neozelandês. O mundo desacontece num quadro de Kandinsky, como um universo de tons e sobretons de rosa e rosa cor-nenhuma, algo de azul sobre a mesa do jantar e um amarelo velho que chama para a porta um novo cômodo, igual a este e outro igual àquele, e um novo e ainda outro. Sinto-me às vezes cativo para o fato que nos acordam os livros fantásticos, do quão fantástico para eles deve ser a realidade... É engraçado que não escrevo nunca exatamente o que penso, mas sempre algo que desperta com o que tinha pensado em escrever, que é uma recusa de mim mesmo, e por tanto nunca tenho propriedade exata do que penso ou escrevo ou ambos. Tenho medo (e ao mesmo tempo vontade) de jamais pertencer ao que foi escrito. Deixar que a vida própria do texto aconteça por si só, e vamos.

Mirando-nos.

Em quantas línguas ler-te, em quantas línguas falar-te, ou em quantas línguas beijar-te. Em todo o seu absurdo de um momento, sua guirlanda de todo o tempo, olhar de ciranda, todo esse seu absurdo olhar, que é em si um espaço ou um molde para uma estatueta de Rodin. Todo o seu rosto é o além da máscara e o além do sorriso. Olho-te e moldo-te minha estatueta, minha peça perfeita para explicar o tempo, para explicar os sonhos. Para explicar-te em quantas línguas forem, para além das minhas figuras de linguagem e minha semântica que toca-te apenas os calcanhares de bailarina. Os calcanhares feitos de madeira forte trabalhada infinitamente pelo suor da existência. E olhamo-nos em todas as línguas ou em outra língua, mais sonora, mais poética, mais sentido e menos arte, mais corpo e língua de retalhos coloridos, beijo-te, olho-te, confundo-me. Confuso olho-te apenas numa metade da face e desdobro seu rosto em cubismo, recrio máscaras do seu rosto, de todos os mínimos ângulos do seu rosto, recrio-te poliglota e mágica, recebo-te mágica no molde dos meus rostos todos, intensos, mirando-te de poucos centímetros de distância, apenas vislumbrando uma possível forma de existência ao seu lado, em poucos instantes de uma existência maior, poucos milésimos dessa existência maior, miro-te a textura da pele, as cores que absorve e devolve, os milhares de tons que compõem suas bochechas, contorno a linha da sua boca como um desenho, e devolve-me um estático momento de si mesma, na sua boca, o amor que ama o amor, toda ela, toda essa metade da sua boca é um desenfreado rastro ou mesmo um erro da matéria que coincidiu em ser secretamente a perfeição do traço, não por estética, mas por ser o acaso de ter sido desenhada essa mesma linha que forma a sua boca. Linda por guardar tão ínfimo segredo da natureza em um traço de sua boca. Detenho-me o tempo de uma eternidade olhando teu segredo e meu olhar é tragado como água para um rodamoinho estratégico de seu rosto, que arrasta todo para seu olhar e torna insignificante lá fora um homem que saindo do trabalho, corre pela chuva para chegar mais rápido em casa ou as marchas mudas por uma juventude comprometida ou ainda todas as empresas que se ocupam na criação dos desejos humanos. Somos atravessados por fios do seu cabelo que não se contentam com a imobilidade do todo e tornam-se cachos rebeldes e carentes, solitários em confronto com a matéria do seu rosto, resistindo aos inúmeros atentados de prendê-los por trás das orelhas. Não, o desejo do seu cabelo é de vento, o desejo do seu cabelo é levá-la pela vida, solta como um mundo, feita de entrelinhas, sua verdade e sua objeção, sua liberdade e sua dependência, sua metade mulher e outra minha.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Tiros de tatos cegos

dois tiros na noite uma metralhadora de escuro dois tiros cegos varam a noite tateando por um abrigo e mais um mirando às estrelas transeuntes

tato cego sobre um desejo em braile indecifrável
o fim do sempre atingido por um pouco do nada
como carinho de escultor ao parir seu filho
música de papel sobre as mãos grossas da chuva

estrelas cegas tateando abrigo de uma mira cega no escuro transeunte varando tiros de uma metralhadora de noites

tato indecifrável de um desejo cego em braile
o nada do sempre atingido pelo fim do pouco
como o filho do escultor ao parir carinho
mãos de música sobre a chuva grossa de papel

tiro de estrelas tateando cegos com metralhadoras no escuro varando a noite na mira de um abrigo de dois tiros transeuntes

braile sobre um tato de indecifrável desejo
o pouco do sempre atingido pelo nada do fim
como filho do carinho ao parir o escultor
chuva de grossos sobre papel de música

dois tiros matam o tato com metralhadoras cegas que miram ao abrigo da noite transeunte as estrelas do escuro

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

revolução

A revolução não deu certo
devemos ser o revolutivo das coisas

Entra pela janela

o mundo é tão grande
e eu tão pequeno
e eu tão fraco
e eu

quase como indefeso
defendendo o que não conheço
defendendo o que não me pertence
sou o invasor alheio
sou o escuro do mundo que entra pela janela sem me tocar
por mais que eu queira

Eu quero eu quero!
toca-me leva-me
delicado
não! não sejas tão escuro e noturno e cinza
por que não pode ser somente belo?
quando eu finalmente te acho belo...

Livro da terra II

a tristeza da terra é uma lágrima de chuva
que lava irriga molha salva cresce germina

a dor da terra é de parto
que são os furos que fazem a plantas quando nascem
a dor da terra é de pranto
de sangue de ferro
que oxida o leite do seio da mulher indígena

vem do barulho do metal engajado
soando agudo e áspero como um grito
na enxada que não mais lavra
que ataca o cru da terra
onde canta o galo
anunciando a briga dos homens
na terra que não mais
a terra que foi

o sofrimento da terra é o homem
que a obriga chamar-se terra
de ser palco e apenas
florescer em guerra
tiro e dor
do que não é da terra

porque a terra não é mais terra
a briga não é mais briga
e o homem não é mais homem

foi talvez
esperança
abrigo refúgio
para quem cria na terra
o seio da mulher indígena

domingo, 10 de janeiro de 2010

Livro da terra I

de onde vem a tristeza
é difícil saber

da consciência
de ser
ou de ter
de não poder
talvez
apenas acontecer
de ser assim
as coisas
no país
e no mundo

cava
cava
cava
homem-máquina
que só come pão:
a vida não é pra ter razão

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

O ano começou sendo lavado

Naquele ano o ano começou sendo lavado
A terra decidiu que não precisaria mais do mundo
E o mundo percebeu que o ser humano não deu certo.

Neste enorme latifúndio
onde bem ou mal acorda-se e vive-se
o futuro chega cinza
como um trovão.