segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Domingo

Três mulheres dançam na sombra. Paira a fumaça de um olhar,
neste dia Domingo, tão pacato
tão calmo, calmo, calminho, carinho...
Ninguém anda com pressa, ninguém anda,
ninguém tem pressa
Pressa, pressa
Pressa
Pressa
Presa
.
.
.

A Pressa é uma linha rápida vocálica que atravessa verticalmente o poema

Alguém passa correndo através da tarde vazia e calma
- fumaças e nuvens compõem o céu -
O céu passa devagar,
Empurrado por ventos invisíveis,
desenhando com água e gelo,
diz o rítmo do pensar, do passar, e o pensamento conversa... versa?

O Domingo se transforma em pássaro que canta voa e pia
Pia tal o menino que passa correndo
Mas não estraga o poema
Ele é o poema quando grita
Ele está o poema
quando canta pia rodopia
E dança
E canta
E torna rodopia
E me arrepia, cada vez mais rasante, descendo, como uma queda, nas linhas do poema.

Enquanto na terra as formigas
somente elas
movimentam a monotonia do Domingo.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Resposta

Tão humano e egoísta que sou,
um egoísmo que é fruto de uma liberdade que não quero ver perdida
e ao mesmo tempo desconheço, a liberdade moderna! tão solitária que se prega!
Não conheço a liberdade que quero e tenho mesmo sem saber.
Tão humana e frágil que te tenho, como palavras em um papel
que poderia ser rasgado sem o mínimo esforço, a não ser por me envolver
e exigir de mim braços do tamanho do mundo e do meu próprio cru
do tamanho do meu cruel e imperfeito, do meu lado escondido de mim.
Nada mais é idealização, nem nunca foi... tudo real. hoje real e verdadeiro.
Ao retirar de dentro tudo o que é dor e é tão nosso, o que sobra é um lindo céu azul.
fica um poema que é feito de mais elementos que apenas palavras.
Ao retiramos a casca, podemos ter a ferida aberta e sabemos enfim que lá dentro há vida! Não há necrose onde há vida, pois o sangue é como o movimento da própria vida.

Invejarmos um ao outro nesse sentido é querermos completarmos como uma única experiência. E vivendo nessa liberdade compartilhada sabemos ser o mundo uma única experiência, na qual temos do fundo-interior a contribuição individual do avesso de cada impulso, cada pulso de vida que admiramos em sintonia.

Nada acaba, portanto nem sequer atinge um meio...

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Soneto amordaçado.

Nada a nada
sou esse intenso indecente
indefinidamente...

O poema, apenas apalpado
apalavreado, um amálgama
deterioração da palavra.

Romanceado um momento
um instante fixado
em a-b-b-a letrado
vale ao menos um soneto

Inverso de pé virado
emoção alardeado, reviravolta
estilhaçado, recolho-me a mim
para em mim não acabar machucado.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Pra quê doer?

Podemos brigar eternamente
mas para quê, se sabemos sermos
estarmos sempre afim
estarmos e sermos sempre amigos
companheiros enluarados da terra
num cio que não cessa.

Ciúmes pra quê? se a terra é tão banal
e maravilhosas são as cores do céu
e a vista da pedra branca tão mágica
da terra de fadas e duendes, sob escrúpulos
e pudores animais, são instintos que a gente não vê...
e são posses que nunca sorvemos
porque não possuímos nunca senão
o que é matéria um do outro.

Por que não possuirmos senão a liberdade de querermos
e estarmos sempre afim, do que nos é tão não igual
seguirmos passos um beijo de Caetano
e termos sempre a não briga, o não motivo e o não chão
se nunca houve a queda, já que a queda de um mimo
é a ferida do orgulho que não cicatriza
em nenhuma e todas as mulheres continuamente
se o amor não morre dentro dos nossos olhos
e o carinho sempre emana de nossa pele fina.

Por que pegamos partículas de drama dispersas no ar
para produzirmos uma prosa sem vida
se em nossas passadas e futuras pegadas estão as palavras para que possamos compor uma poesia?
Pra quê sofrermos com a sintaxe louca do sentimento,
se podemos nos alegrar com a semântica de um beijo?

Chuva de vidro

Um calor tão humano de errar
produzir estar deixar cuidar do que é seu
guardar como um reino marginal
fora de si e de tudo
sobre os telhados tão céu
abuelita, boca de bueiro, buraco negro
entrada incipiente de mar
osalardendopeleadentro
um recipiente hermético
fechado coração, cerrado
um balanço de mar balanço
de rede enquanto te expõem as veias
no mar aberto sobre as ruínas
do que não é sertão
nadando contra a profecia
rompendo os tendões da poesia
sob um choro tão ralo de uma tristeza profunda
quanto a chuva rala
com o ar enquanto desce fina-cortante
como choro de vidro
atravessado a gritos e palavras
decifradas com a raiva
sem razão noção perdão
um poema inteiro retirado
do saco de um lixo contagioso
de uma sala de sutura
onde se costuram emoções.

Do fundo do meu polegar opositor.

Seria como sacanagem
vamos ousar, vamos lutar brigar
vamos beber
conceder loucuras
vamos saltar pela porta de vidro
abrir o corpo para a liberdade
vamos fazer um pacto com o diabo
que já vivemos em antecedência
vamos fazer a literatura subversiva ao nosso extremo esquerdo
e extremo direito lado absurdo
produzir sem leis, errar, beber, sei lá
como já nem sei escrever.

Faço o cérebro pensar mais devagar
para acompanhar o movimento de um só braço rompido
nos tempos de crise que crescemos tanto
nossa dor tão eunuca
castrada em osso no osso pelo osso
ao fundo regaço do osso anestesiado
gago de raiva e chorando bestialidades.

Somos tão animais...
somos tão animais em forma do mundo
em busca do mundo
tão triviais...
invisíveis previsíveis
indecentes... submissos
ao tão cru intelecto
dominados pelo polegar opositor
nosso verdadeiro fator evolutivo.

Os tempos não mudam
a história cíclica.
o poema catarse
revolta depurada
em forma de remédio
como droga da tristeza
uma sala de soro de 80 anos

O tempo preso dentro de uma ampulheta
e fora dele o verso livre voraz.