quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Saber-se homem depois de ter-se perdido como homem. (por enquanto sem título)

No banheiro público tem um zunido agudo quando a urina toca a louça e a palavra branca que assusta. Eu tenho medo da palavra branca aguda louça, chapela, interioriza. Passaram vinte, não! uma hora! não! nem um minuto a mais. Mas o zunido congela o tempo. E a louça. Sentado sobre o momento de dois ou mais segundos um fato. Do respingo cobre-dourado, na verdade amarelo-neon, da urina na louça e o silêncio de um zumbido! É o tempo que se tem às vezes para respirar. Mesmo que seja o ar sujo da louça mijada. E não exige nenhum ponto final, em todo caso.
Foi se aprofundando, mergulhando como sendo a louça branca e lisa, impenetrável de palavras. Conhece o interior de todos, a sua filosofia. Sabe quem olha para o lado no banheiro mas olha toda vez sempre a frente sempre, e tem medo de palavras brancas. As palavras brancas são todas as cores que não formam nenhuma, a presença ou ausência de todas. Reflete o que lhe é imposto, mas é impenetrável. Como a louça. Mijam nele. Ele não tem identidade, é branco. É um rato doméstico, branco e bonito, mas impenetrável, nunca saberão o que se passa dentro dele. Ingênuo e não. Todo aquele cheiro o envolvia e adimirava, todo sem cor. E era ali como numa bolha - suja - que respirava. O mundo parecia tão real ali, e o rato doméstico se conectava com um passado ancestral de bueiro. Seu rabo quase chegava a crescer. Mas respirava e no momento que o ar lhe tocava o nariz, naquele instante, não despertava olfato, pois o fluxo invariável como que empurrava o cheiro para longe, até que uma nova onda de ar lhe tocasse o fucinho. Rabo não criava não, mas que tinha bigode tinha. E sentia toda a pureza daquela atmosfera. E ali não tinha medo. A porcelana não lhe ia julgar se sim ou se não, e além do que, também era ele uma porcelana, a do lado, a não mijada ainda, olhando sempre em frente em sua marcha estática. Sendo uma porcelana de mictório ainda não tinha a preocupação das privadas com as fezes e todo o lixo lançado dentro, até o momento em que - um dia - se daria conta de que todas as porcelanas são interligadas pelo interno das paredes e que por dentro de todos os concretos se tocam. Quer dizer, o que uma recebe a outra recebe imediatamente. Talvez não o sinta, mas recebe. Nesse espaço entre o tempo e a bolha de pensamento em que se encontrava não sentiu-se mal. Sentiu-se homem, humano. Sabia o que era a louça. Conhecia o homem. Sabia de onde vinha o lixo. Estava dentro do lixo, como homem, não como louça.
Seu telefone toca e o desperta. Já terminara o que tinha ido fazer naquele banheiro e se deu conta de que estava imóvel em posição de como se estivesse mijando por um longo período, que durou dois ou mais segundos. A porcelana tem a sua própria cronologia. Assim também o homem. Seu telefone o faz se sentir mais porcelana que antes. E talvez ele tenha se dado conta, ou talvez não, o que tenha sido dito pelo seu rato interior mais ancestral. Bicho que vive em bando, se aquecendo em grupo no interior dos esgotos. Talvez isso o tenha tornado mais homem. Talvez isso teria ficado claro se ele tivesse jogado o seu telefone no lixo. Mas não o fez, naquele momento não o fez.

2 comentários:

Mayra Donini disse...

numa segunda leitura outra reação estática. Muito bom

Le Paixão disse...

Meu amigo, gostei muito. Você tem que vir conosco!